Leonor de Avis: nos 500 anos do falecimento da Princesa

Em 2025 comemoram-se os quinhentos anos da morte da Rainha D. Leonor, princesa e rainha de Portugal. Durante a sua vida, desempenhou um papel político ativo, tendo sido regente do reino por diversas vezes; com um significativo poder económico, promoveu instituições caritativas e assistenciais, casas religiosas, obras culturais e artísticas e foi uma influente individualidade no seu tempo.
Nasceu em Beja, a 2 de maio de 1458 e faleceu, em Lisboa, no seu paço de Xabregas, a 17 de novembro de 1525. Era filha de Fernando (1433-1470), 1.º duque de Beja e 2.º duque de Viseu, e de Beatriz de Portugal (1430-1506). Por parte paterna, era neta do rei D. Duarte (1391-1438) e de D. Leonor de Aragão (1402-1445) e sobrinha do rei D. Afonso V (1432-1481). No ano de 1471, casou-se com o seu primo, o futuro rei D. João II, e passaria a ser rainha de Portugal.

joaob.guimaraes
Rainha D. Leonor, representada por José Malhoa (Museu José Malhoa, Caldas da Rainha).
Após as mortes do seu filho, D. Afonso, em 1491, e do seu marido, em 1495, a rainha retirou-se da corte e recusou uma vida pública, participando apenas em atos religiosos relevantes; acabaria os seus dias recolhida no convento da Madre de Deus. Para este facto terá contribuído igualmente a sua frágil saúde e uma doença crónica que limitava os seus movimentos. Embora afastada do mundo, manteve-se ao corrente dos diferentes cenários políticos que se iriam sucedendo até à sua morte. Esteve sempre acompanhada pelo séquito que compunha a sua casa e manteve-se ciosa dos bens patrimoniais e rendimentos que lhe pertenciam por linhagem e casamento, bens que lhe permitiriam os seus investimentos religiosos e culturais.
D. Leonor destacou-se nos domínios da reforma religiosa, fundação e proteção de casas religiosas. Um dos principais projetos da rainha foi a fundação do convento da Madre de Deus, instituído nos inícios do século XVI, segundo a regra coletina (1) que deveria orientar a vida das religiosas, os cerimoniais e a gestão do convento, nomeadamente procurando o retorno ao Franciscanismo primitivo e à sua primeva regra. Foi também promotora de outro instituto religioso, o dos Cónegos regrantes de São João Evangelista, também conhecidos como Loios.
A rainha foi ainda próxima da Devotio moderna e do Franciscanismo que dominavam no seu tempo e encontrava-se alinhada com os princípios espirituais e devocionais que propunham: pobreza, humildade, intensificação da vida interior dos leigos; terá seguido a regra das terceiras franciscanas, embora nunca tenha professado, pois isso implicaria abdicar da gestão dos seus bens e rendas, o que não terá desejado fazer. E é assim, como terceira franciscana, que se fez representar no quadro Panorama de Jerusalém, oferta do imperador Maximiliano de Áustria e que se encontra no Convento da Madre de Deus.
Um outro projeto que marcaria a vida da rainha foi a criação do hospital das Caldas. Este hospital, que constituiu o primeiro hospital termal europeu, foi fundado nos anos 80 do século XV e seria favorecido pela rainha até ao final da sua vida. A construção do edifício hospitalar propiciou o desenvolvimento urbano do local, assim como o estabelecimento de pessoas e infraestruturas necessárias ao provimento e funcionamento do hospital.
Ainda no contexto caritativo, a rainha destacou-se como fundadora da confraria da Misericórdia de Lisboa, no ano de 1498; iniciativa que iria originar a difusão destas instituições por todo o país e, posteriormente, também pelo espaço ultramarino. As Misericórdias, também designadas como confrarias ou irmandades da Misericórdia ou Santas Casas da Misericórdia, nasceram como confrarias maioritariamente compostas por leigos, que se organizavam sob a invocação de Nossa Senhora da Misericórdia, e prosseguiam objetivos caritativos.

O Compromisso originário da Confraria da Misericórdia de Lisboa.
Pela sua rápida difusão e impacto social e religioso, tornaram-se as mais importantes confrarias assistenciais em Portugal durante a Idade Moderna. Embora estas confrarias procedessem de uma longa tradição assistencial medieval, a Misericórdia de Lisboa inaugurou um movimento confraternal verdadeiramente moderno, que combinava uma dimensão fraternal vocacionada para os principais e específicos problemas sociais da época, com uma dimensão religiosa renovada, centradas numa dimensão penitencial confraternal e pública.
D. Leonor desempenhou igualmente um importante papel como protetora das artes, designadamente, teatro, literatura e objetos artístico de cariz devocional, como retábulos e relicários, tendo patrocinado e encomendado diversas obras, muitas delas atualmente conservadas em museus e bibliotecas nacionais. Destacamos o seu apoio às obras teatrais de Gil Vicente; inclusivamente, a representação do Auto de S. Martinho foi encenada na igreja do hospital das Caldas da Rainha, em 1504, e a do Auto da Barca do Purgatório, na igreja do hospital real de Todos-os-Santos, em 1518, instituição fundada por D. João II com anterioridade a 1492.
Os diferentes projetos espirituais, culturais e assistenciais abraçados por D. Leonor, assim como as relações que alimentou durante a sua vida, evidenciam uma grande coerência; procuravam difundir uma religiosidade muito concreta e amplamente difundida na época, assim como destacar a rainha como agente cultural na vanguarda artística europeia. De igual modo, constituíam-se, de modo indissociável, como formas de projeção social e de perdurabilidade da memória.
(1) Regra coletina refere-se às Constituições reformadas da Ordem de Santa Clara, elaboradas por Santa Coleta de Corbie no início do século XV. Essa reforma visava restaurar o espírito original da pobreza, simplicidade e fraternidade que Santa Clara de Assis havia instituído. As principais características da regra coletina eram: Retorno à pobreza absoluta, sem posses, rendas fixas ou objetos supérfluos nos conventos. Vida comunitária marcada pela igualdade entre as irmãs, sem distinção de classes ou privilégios. Clausura rigorosa, mas com simplicidade e foco na espiritualidade. Incentivo ao trabalho manual e intelectual como forma de sustento e formação. Forte ligação com os frades franciscanos, que davam apoio espiritual aos conventos. Essa regra foi adotada por diversos mosteiros reformados por Santa Coleta, especialmente em
França e nos Países Baixos, e influenciou profundamente a vida religiosa feminina na época.
[Os artigos da série Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. As opiniões dos autores representam as suas próprias posições.]

observador