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P. Diddy. A queda do magnata do rap

P. Diddy. A queda do magnata do rap

O julgamento mais esperado do ano começou no dia 12 de maio no Tribunal Federal de Manhattan, em Nova Iorque. O produtor e cantor P.Diddy está a ser acusado de controlar um esquema criminoso que envolvia tráfico sexual, extorsão, associação criminosa e promoção da prostituição. A sua ex-companheira, Cassie Ventura, já falou. E aquilo que contou tem chocado o mundo.

Há quem o conheça por Sean Combs, outros chamam-lhe «Puff Daddy», «P. Diddy» ou simplesmente «Diddy». Mesmo que não conheçamos o seu nome é difícil que nunca tenhamos ouvido uma canção sua ou em que tenha colaborado. O facto é que construiu um império que lhe rendeu uma fortuna, tanto através da música como de investimentos em marcas de bebidas alcoólicas. Mas se antes era admirado, respeitado, amado e considerado um dos artistas mais influentes do mundo do rap, desde 2023 que começou a ser olhado de outra forma. E, aos poucos, aqueles que outrora pertenceram ao seu círculo, deixaram de lhe querer estar associados. Não é de admirar já que Diddy é acusado de controlar um esquema criminoso que envolvia tráfico sexual, extorsão, associação criminosa e promoção da prostituição.

Segundo os documentos apresentados pela Procuradoria, o rapper norte-americano usava a sua influência na indústria da música para atrair e recrutar mulheres jovens, muitas vezes menores de idade, sob a promessa de oportunidades profissionais. Em vez disso, estas eram submetidas a abusos físicos e psicológicos, incluindo relações sexuais forçadas, filmagens sem consentimento e consumo forçado de substâncias ilegais nas chamadas «freak-offs». Esses eventos podiam durar dias e as denúncias relatam episódios de grande violência, ameaças com arma de fogo e pagamento em dinheiro para silenciar vítimas e testemunhas.

O empresário declarou-se inocente. De acordo com o The New York Times, numa declaração recente sobre a acusação, a sua equipa jurídica afirmou que as alegadas vítimas no caso eram «ex-namoradas de longa data, que se envolveram em relações consensuais». «Esta era a sua vida sexual privada, definida por consentimento, não por coação», defenderam. A advogada de defesa, Teny Geragos, respondeu que o Ministério Público está a tentar distorcer relações românticas para construir um caso de extorsão e tráfico sexual: «Sean Combs é um homem complexo, mas este não é um caso complexo. Trata-se de escolhas voluntárias feitas por adultos capazes, em relações consensuais», reforçou. O rapper norte-americano pode enfrentar uma pena entre os 15 anos e a prisão perpétua.

Recorde-se que as investigações culminaram em operações das autoridades federais em março de 2024, com buscas nas mansões de Combs em Los Angeles e Miami. Foram apreendidas armas, munições, drogas e uma quantidade significativa de lubrificantes e óleo para bebés. No dia 16 de setembro, o artista acabou por ser preso em Nova Iorque, EUA. Pouco tempo depois, foi divulgado um vídeo onde aparece a agredir violentamente Cassandra Ventura, mais conhecida por Cassie Ventura, que foi sua namorada entre 2007 e 2018, no corredor de um hotel.

A testemunha-chave

O tão aguardado julgamento do magnata do hip-hop começou no dia 12 de maio e pode durar até oito semanas pela complexidade e quantidade de acusações contra o também produtor musical. O julgamento promete novas revelações sobre o envolvimento de outras figuras públicas e a rede de exploração sexual, que se suspeita ter afetado mais de 150 vítimas.

A primeira semana de depoimentos ficou marcada pelas revelações de Cassie Ventura, atualmente com 38 anos, testemunha-chave no processo, que têm deixado o mundo de boca aberta. Já no terceiro trimestre de gravidez, a mulher revelou o horror que diz ter vivido às mãos do ex-companheiro de 55 anos. A também cantora e Daniel Phillip, um trabalhador sexual, foram os primeiros a depor, acusando P.Diddy de «agressões físicas repetidas» e «coerção para participar em rituais sexuais humilhantes».

Escreve a BBC, citando o seu testemunho, que os abusos terão começado logo no início da relação de mais de uma década que manteve com o artista. O casal projetava uma imagem de realeza do hip-hop ao aparecer nas passadeiras vermelhas de eventos e escapadelas luxuosas. Mas, nem tudo é o que parece e, neste caso, não podíamos ter sido mais enganados.

Quando conheceu P.Diddy, em 2005, Cassie tinha apenas 19 anos e um grande sonho: ter sucesso na indústria musical. «Só sabia que ele era um grande empresário e músico. Era fã de música. Não sabia muito sobre ele pessoalmente», lembrou em tribunal, acrescentando que se «apaixonou» pelo «empreendedor e músico extraordinário». Não foi preciso muito para a jovem ser contratada pela sua editora, a Bad Boy Records. Logo depois o relacionamento começou. Segundo a própria, à época, sentia que estavam numa relação monogâmica, embora agora saiba que ele tinha outras namoradas.

Rapidamente aquilo que parecia um sonho, de acordo com a artista, virou um pesadelo. Segundo Ventura, P.Diddy queria «controlar» a sua vida e conseguiu. Pagou a sua casa, carros, telemóvel e outros dispositivos eletrónicos que às vezes lhe tirava para «puni-la»: «O controlo era de tudo… Desde a minha aparência, até ao que eu fazia», alegou. Com o tempo, esse controlo «tornou-se violento». «Batia-me na cabeça, empurrava-me, arrastava-me e pontapeava-me com frequência», testemunhou ntre lágrimas. De acordo com a cantora, as marcas de violência estavam, muitas das vezes, bastante visíveis. E os jurados puderam comprovar através de fotografias.

O terror das Freak-Offs

Segundo a BBC, no segundo dia de julgamento, os promotores de justiça passaram horas a interrogá-la sobre as «freak-offs» e a artista contou ao tribunal de que forma o ex-companheiro a envolvia nesses bacanais desregrados. De acordo com os seus relatos, Sean Combs contratava um prostituto ou stripper para fazer sexo com a companheira enquanto ele observava.

Inicialmente, Ventura alinhava para o deixar «feliz». Reconheceu que, à data, Diddy «era um homem excitante, divertido e engraçado» e tinha a sua carreira nas mãos. Com o passar do tempo, as festas sexuais tornaram-se numa espécie de trabalho que «não dava espaço para fazer mais nada a não ser recuperar física e mentalmente». Cassie ficava acordada durante vários dias, a beber álcool, a consumir drogas e a ter sexo com «estranhos». Escreve a mesma publicação que algumas das festas chegaram a durar quatro ou mais dias, algumas com intervalos pelo meio. «Eu lembro-me de sentir o meu estômago a cair, o nervosismo e a confusão», disse, acrescentando que se «sentia péssima consigo mesma».

A cantora revelou ainda que durante esse período foi obrigada a ter um número tão elevado de relações sexuais que acabou por usar opiáceos para «disfarçar as dores». Além disso, admitiu que chegou a ficar com feridas na boca e na língua por causa do sexo oral. A acusação afirma que, durante as festas, P.Diddy terá dado ordens a um prostituto a urinar na boca de Cassie, quando esta tinha apenas 19 anos. O objetivo do rapper era «comandar cada passo das performances sexuais para que as mulheres parecessem estar a divertir-se».

A erva, o ecstasy, a cocaína e a cetamina que consumia ajudavam-na a ter um «desempenho satisfatório para o Sean Combs» e a «dissociar-se» nesses momentos. «As drogas eram uma maneira de não sentir a coisa como ela realmente era», desabafou. Como é natural, a mistura de substâncias fazia-a, muitas vezes, vomitar. Mesmo assim, garante, Sean Combs não a deixava parar. Quando se recusava a participar, ou queria abandonar a cena, o companheiro espancava-a ou ameaçava partilhar os seus vídeos.

Tráfico sexual e prostituição

A ex-companheira do magnata da música alegou que este pagaria aos homens contratados entre 1.500 e 6 mil dólares, «dependendo do seu desempenho». A sua equipa encontrava-os em empresas de striptease e sites como o Craigslist. Algumas das suas fotos foram exibidas aos jurados, incluindo Daniel Phillip, que já depôs. O homem admitiu ter sido contratado diversas vezes para ter relações sexuais com a cantora, enquanto Diddy assistia. Em alguns desses encontros, o contratado teria presenciado agressões verbais e físicas.

De acordo com Daniel Phillip, esses encontros prolongaram-se por cerca de dois anos, «tanto em hotéis como em várias casas do casal». Em tribunal, este lembrou as «instruções específicas» que recebia do rapper sobre como devia ter relações sexuais com a namorada. Essas notas incluíam a aplicação do famoso óleo de bebé – encontrado no hotel de P.Diddy nas buscas –, nos corpos e encenações que incluíam cenários hipotéticos, como: «conhecerem-se num determinado local».

Citando Cassie, a BBC revela que, às vezes, os homens eram trazidos de avião durante as férias. A equipa de P.Diddy tratava de tudo. Havia pessoas responsáveis por comprar e acompanhar as viagens, o alojamento, para preparar os quartos de sexo, a iluminação, etc. Entre outras acusações, os promotores estão a tentar provar que o produtor musical se envolveu em tráfico sexual — tráfico de pessoas para fins de exploração sexual — e transporte para se envolver em prostituição.

Emily Johnson, que faz parte da equipa de acusação, corroborou as alegações da artista, dizendo que a relação vivia de «constantes ameaças, chantagens com vídeos sexuais e muita violência». Num dos episódios relatados, P.Diddy agrediu a companheira pisando-lhe a cara. Cassie terá ficado marcada de tal forma que o rapper a escondeu num quarto de hotel durante cinco dias.

Além disso, esta lembrou ainda a cena de agressão física no corredor de hotel, em 2016, que foi filmada e divulgada em 2024 pela CNN. O momento foi captado pelas câmaras da unidade hoteleira, e a versão original, com cerca de 15 minutos, foi apresentada agora em tribunal. Ao que tudo indica, o incidente deu-se quando Cassie tentou fugir de uma das festas loucas do ex-namorado. Israel Flores, que trabalhava como segurança do hotel onde o cantor agrediu Cassie, no dia 5 de março de 2016, também testemunhou contra Diddy. Disse que naquele dia recebeu uma denúncia de que havia uma mulher em perigo no 6.º andar. Quando procurou pelas imagens, não as encontrou.

Cassandra Ventura revelou também que aceitou um acordo de 20 milhões de dólares (cerca de 17 milhões de euros) para pôr fim ao processo que moveu contra o ex-companheiro, em novembro de 2023. Recorde-se que parte do processo atual tem origem nesta queixa-civil, que incluía acusações de violação e anos de abusos.

A cantora acabou por ser interrogada sobre o motivo que a levou a testemunhar agora contra Diddy: «Não consigo carregar mais isto. Não consigo carregar a vergonha, a culpa, a forma como ele tratava as pessoas como se fossem descartáveis. O que é certo é certo, o que é errado é errado. Eu vim aqui para fazer a coisa certa», afirmou.

Estrelas implicadas

No quarto e quinto dia de julgamento, a artista começou a ser interrogada pela defesa do empresário: foi pressionada a ler em voz alta as suas próprias mensagens explícitas para o ex-namorado, incluindo textos que a mostravam a expressar vontade de fazer sexo grupal sob o efeito de drogas – experiência que, de acordo com o seu depoimento anterior, a deixou traumatizada. Segundo a agência de notícias Associated Press, os advogados de Diddy tentaram retratar Cassie perante o júri como «uma pessoa disposta e ávida do estilo de vida sexual do magnata».

Na segunda-feira, de acordo com a CNN, o júri no julgamento de Sean Combs foi dispensado após ouvir o depoimento de três testemunhas — Dawn Richard, ex-integrante do grupo Danity Kane; Kerry Morgan, amiga de Cassie Ventura de 2001 a 2018; e David James, ex-assistente de Combs. As três pessoas alegam ter assistido a cenas violentas da parte de Diddy.

É importante referir que, embora degradantes, as «freak offs» não eram segredo. Muita gente frequentava as famosas festas brancas que o empresário organizava, sabia que as outras aconteciam, mas não denunciava com medo de represálias. Os eventos organizados por P.Diddy eram frequentados por estrelas como Leonardo DiCaprio, Usher, Demi Moore, Jay-Z, Beyoncé, Ashton Kutcher, Mariah Carey, Tommy Lee e Pamela Anderson, Justin Bieber, Aaliyah, David Blaine, Kelly Osbourne e Jennifer Lopez.

Várias outras personalidades já haviam falado antes do lado negro de P.Diddy. 50 Cent é uma delas. No ano passado, o artista declarou que produziria um documentário sobre as inúmeras alegações contra Combs, intitulado Diddy Do It?. Lançado por Eminem no dia 12 de julho do ano passado, o álbum The Death of Slim Shady faz referências aos processos movidos contra o rapper. Ambos dando a entender – até por alguns comentários –, que muita gente está envolvida.

Ao longo dos próximos dois meses, espera-se que os jurados continuem a ouvir testemunhos de várias mulheres, bem como de antigos funcionários que, segundo os procuradores, ajudaram a organizar e encobrir os atos criminosos.

Recentemente, segundo a imprensa americana, vários amigos do empresário terão entrado em contacto com funcionários da Casa Branca para tentar «garantir um perdão presidencial» ou a «comutação da pena». Se isso acontecer – mesmo que as acusações sejam provadas – Diddy poderá conseguir a liberdade ou ter um pena mais reduzida.

Jornal Sol

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