Santos Silva: o oráculo de coisa nenhuma

Ah, o inconfundível Augusto Santos Silva (SS). Sempre pronto a aparecer como quem vem salvar a democracia, quando, na verdade, está só a tentar salvar-se a si próprio do esquecimento político. Desde que os eleitores o mandaram para casa, com direito a uma humilhante medalha de bronze atrás do Chega, SS transformou-se numa espécie de viúva inconsolável da ribalta. E como toda a viúva que não aceita o luto, tornou-se amarga, moralista e perigosamente convencida.
Já sem cargo, sem votos, sem mandato, decidiu reencarnar como fiscal da República. Agora distribui sentenças em prime-time, comenta tudo, censura todos e, mais recentemente, classifica os candidatos presidenciais com a displicência de quem acha que só ele sabe o que o país precisa. A propósito da sua última aparição na SIC Notícias, a 17 de junho, voltou a repetir-se a liturgia do desprezo: “Nenhum dos candidatos reúne os requisitos mínimos”, declarou.
O mesmo tom professoral, a mesma soberba política, o mesmo desdém por todos os que não pertencem à sua capelinha ideológica.
Ora, caro SS: liberdade de expressão e debate democrático não são sinónimos de insulto. Quando desce à praça pública para achincalhar quem tem coragem de se apresentar, coloca-se ao nível dos que contribuem para a degradação da democracia, não da sua defesa. Não é elevação institucional: é prepotência com verniz. E se está assim tão revoltado com a falta de alternativas, se todos são tão fracos, tão aquém do “mínimo”, então candidate-se. De que tem medo? Está sempre com a Constança, o Vitorino, entenda-se, mas, caro SS, o Vitorino é da ala moderada. E António José Seguro (AJS) também. Não faz parte da sua fação trauliteira, aquela que se indigna com tudo mas não hesita em destruir os próprios.
Seguro, aliás, parece ser o principal alvo. E percebe-se porquê: representa exatamente aquilo que incomoda Santos Silva. Um político íntegro, sério, sensato, trabalhador, democrata exemplar e eticamente irrepreensível. Não precisa de padrinhos nem de maquilhagem mediática. Está onde está por mérito, não por manobras. E isso, para quem vive de bastidores e favores, é intolerável. Santos Silva diz, com ar estudado: “Não me excluo de candidaturas, sejam elas quais forem.” Tradução: não quer parecer disponível, mas anseia que lhe peçam de joelhos. É a vaidade disfarçada de sacrifício. A velha arte de quem insinua sem se comprometer, na esperança de que o país o venha buscar.
Mas antes de nos deixarmos iludir com a pose grave, convém lembrar quem é este autoproclamado juiz da República. SS iniciou a sua militância nos anos quentes do pós-25 de Abril, nos comités trotskistas da União Operária Revolucionária, uma organização de extrema-esquerda que viria a fundir-se na Liga Comunista Internacionalista, ao lado de figuras como Francisco Louçã.
E em 1976? Pois bem, apoiava com entusiasmo Otelo Saraiva de Carvalho para Presidente. Sim, o Otelo da insurreição, das ameaças à democracia. Agora, passadas décadas, SS apresenta-se como paladino da institucionalidade e da moderação. Ironia? Não. Oportunismo crónico.
SS exige “perfil”, “sentido de Estado”, “seriedade presidencial”. Mas insulta em direto, sabota candidaturas sérias e espalha a dúvida com o conforto de quem sabe que ninguém o confronta. Pede rigor, mas cultiva a ambiguidade. Cobra elevação, mas atira lama. Parece um seminarista ateu: cita as regras, mas já não acredita em nenhuma. A perseguição a AJS é apenas o último capítulo de um guião já conhecido: o do ressentido com microfone. Seguro não precisa de indulgência nem de protagonismo artificial. Tem um percurso limpo, uma carreira construída com trabalho e coerência, e um compromisso inabalável com os princípios da democracia representativa. Ou seja, tudo aquilo que SS deixou de representar há muito tempo.
Santos Silva não debate: desqualifica. Não propõe: sabota. Não lidera: manipula. É um político sem base, mas com palco. Sem votos, mas com cátedra. E o país assiste, mais uma vez, ao espetáculo da arrogância sem escrutínio. O país precisa de escolhas claras. De candidatos com coragem, ideias e carácter. De quem una em vez de dividir, proponha em vez de destruir, represente em vez de se impor. Portugal não pode ficar refém de quem vive de frases sonantes e do eco do seu próprio ego.
Se Santos Silva quer ser candidato, que o diga. Que tenha a coragem que tanto exige aos outros. Que enfrente os cidadãos de frente, sem truques nem subterfúgios. O país é livre, e assim deve continuar. Portugal não precisa de mais sombras do PREC disfarçadas de estadistas. Precisa de luz, verdade, decência e coragem. E sim — talvez de mais figuras como António José Seguro.
observador