Exclusivo | A crise oculta dos Conselhos de Deficiência: 28.000 casos pendentes e US$ 54 bilhões no limbo

Quando uma pessoa sofre um acidente ou desenvolve uma deficiência adquirida e solicita uma pensão por invalidez, o certificado que valida se tal direito deve de fato ser concedido é emitido por um Conselho de Avaliação de Incapacidade. Esses conselhos são órgãos médicos e técnicos que decidem qual a porcentagem da capacidade de trabalho de uma pessoa que é perdida após um acidente ou doença. Seu parecer é essencial para o acesso a pensões por invalidez, indenizações ou assistência médica, e operam em dois níveis: os conselhos regionais (primeira instância) e o conselho nacional (segunda instância para recursos).
No entanto, um relatório recente do Ministério do Trabalho, conhecido com exclusividade pelo EL TIEMPO, revela que atualmente mais de 28 mil procedimentos permanecem pendentes sem decisão, milhares de famílias estão presas em um limbo burocrático e recursos que somam mais de 54 bilhões de pesos foram congelados em processos que não avançam.
O relatório do Ministério do Trabalho, datado de 13 de agosto de 2025 e submetido à Procuradoria-Geral da República, mostra que o sistema de avaliação de deficiência na Colômbia está à beira do colapso. Segundo dados oficiais, até 30 de junho deste ano, havia 28.017 processos pendentes nos conselhos regionais e no Conselho Nacional, um número sem precedentes que os especialistas descrevem como um exemplo de "negligência institucional".

O Ministério do Trabalho reconheceu que a classificação da deficiência vive sua pior crise. Foto: iStock
O documento detalha que 17.329 pedidos sequer receberam uma decisão inicial, 3.791 estão em fase de recurso sem decisão de segunda instância e 6.897 processos ainda não foram enviados ao Conselho Nacional. Em termos simples: dezenas de milhares de pessoas com doenças graves ou deficiências aguardam há meses — e em muitos casos, anos — que o Estado determine seu grau de perda de capacidade para o trabalho, requisito essencial para o acesso a uma pensão ou indenização.
“Por trás de cada número, há um rosto humano. Quem aguarda uma decisão não tem acesso a pensão ou indenização. Isso significa famílias sem renda, tratamentos médicos interrompidos e um limbo burocrático que condena as pessoas a viver de caridade”, explica o advogado Carlos Andrés Vega Mendoza, especialista em direito administrativo e direitos humanos.

Advogado Carlos Andrés Vega Mendoza, especialista em direito administrativo e direitos humanos. Foto: Arquivo pessoal
Além do acúmulo de processos, o relatório revela uma discrepância preocupante nos números. Enquanto os conselhos relatam 17.329 casos pendentes de decisão, as administradoras de fundos de pensão (AFP) e as administradoras de riscos ocupacionais (ARL) relatam que, na verdade, há 43.557 processos pendentes. A diferença — 26.228 casos — revela que milhares de processos podem ter sido "perdidos" ou registrados incorretamente.
"Essa falta de controle e gestão demonstra que o sistema nem sequer sabe ao certo onde estão todos os processos. Estamos falando de mais de 26 mil solicitações no ar, sem clareza se foram protocoladas, contabilizadas incorretamente ou perdidas no caminho", ressalta Vega. Para o jurista, essa falta de coordenação causa prejuízos incalculáveis: cidadãos ficam sem resposta porque seu caso se perdeu no emaranhado administrativo.
A Procuradoria-Geral da República também alertou sobre essa discrepância, segundo o EL TIEMPO. "Não há clareza quanto aos números totais de represamento, nem quanto às medidas tomadas pelo Ministério Público a esse respeito", afirmou o Ministério Público em reunião técnica realizada em 20 de agosto.
Segundo declaração da entidade a este jornal, a diferença de mais de 26 mil casos deve ser conciliada com urgência por meio de "grupos de trabalho com a participação de todos os atores e instituições envolvidas".
A tragédia humana se soma à financeira. Segundo dados oficiais, até junho, os conselhos receberam mais de US$ 54,882 bilhões em honorários antecipados pela emissão de pareceres ainda não concluídos. Desse valor, US$ 29,121 bilhões correspondem a procedimentos que nem sequer foram formalmente protocolados.
"Sim, há mais de US$ 54 bilhões devidos por negócios inacabados. Alguns desses pagamentos correspondem até mesmo a casos que nem sequer foram formalmente registrados. Em termos jurídicos, isso pode ser classificado como cobrança injustificada ou prejuízo financeiro, o que justifica supervisão fiscal e possíveis sanções", alerta Vega.

Os Conselhos de Qualificação para Pessoas com Deficiência certificam que uma pessoa é elegível para uma pensão. Foto: iStock
A descoberta não só compromete a legitimidade do sistema, como também abre caminho para processos disciplinares e fiscais. Enquanto as famílias aguardam por resoluções que nunca chegam, os fundos permanecem congelados nas contas dos conselhos.
O problema não é apenas de congestionamento, mas também de legitimidade institucional. Segundo Vega, "há conselheiros cujos mandatos expiraram desde 2014 e que, apesar da falta de jurisdição legal, continuam a tomar decisões". Isso pode levar a um cenário ainda mais complexo: anulação de pareceres emitidos, reembolso de taxas cobradas sem jurisdição e ações judiciais multimilionárias contra o Estado.
Para o advogado, trata-se de uma "dupla crise": uma de congestionamento administrativo, que encurrala mais de 28 mil famílias, e outra de legitimidade, pela permanência irregular de membros sem nomeação vigente.
Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República (PGR), por sua vez, concordou com a irregularidade. De acordo com o que foi discutido no grupo de trabalho, o próprio Ministério do Trabalho reconheceu que o concurso público para renovação dos conselhos não foi realizado, apesar de uma ordem judicial. "Persistem membros com mandatos expirados, o que agrava a crise de legitimidade e compromete a validade das decisões", enfatizou o órgão de controle em resposta a perguntas enviadas por este jornal.
Segundo o EL TIEMPO, a Procuradoria-Geral da República consultou o Ministério do Trabalho sobre os planos de alívio do congestionamento. A resposta foi que apenas a Direção Territorial de Bogotá apresentou um plano de resposta. Os demais governos regionais do país não divulgaram nenhuma estratégia. "É uma falha estrutural. Exceto em Bogotá, não há planos de resposta, cronogramas ou responsáveis. Isso demonstra uma total falta de coordenação nacional", enfatiza Vega.
Em abril de 2025, o Tribunal Administrativo de Cundinamarca, no contexto de uma ação coletiva, já havia ordenado ao Ministério do Trabalho a manutenção de salas de descongestionamento adicionais. No entanto, o acompanhamento judicial confirmou que as medidas foram insuficientes e que os prazos para emissão de decisões continuam sendo violados.
Os governos regionais com maior número de casos em atraso são Bogotá (7.666), Cauca (2.767), Antioquia (1.866), Cesar (952), Tolima (975) e Meta (890). "Um plano de melhoria imediato deve ser exigido para que os governos possam começar a aliviar o congestionamento, enquanto o Ministério avança com a criação de centros regionais de descongestionamento", afirmou a Procuradoria-Geral da República.

Milhares de colombianos com deficiência aguardam há anos por uma decisão. Foto: iStock
O confisco prolongado viola diretamente os direitos fundamentais dos colombianos. Pessoas que aguardam uma decisão há um, dois ou até cinco anos correm o risco de perder seu auxílio-moradia, o acesso à saúde e a possibilidade de receber uma pensão.
"O risco é duplo: para os cidadãos, significa violações dos padrões mínimos de vida, assistência médica e pensões; para o Estado, significa relatórios invalidados, taxas recebidas indevidamente e processos multimilionários contra a nação", resume Vega.
O jurista insiste que a crise não é apenas técnica, mas também humana. "Estamos diante de uma violação sistemática de direitos fundamentais e do acesso à administração da justiça. O Estado abandonou aqueles que mais precisam de proteção", afirma.
Na mesma linha, a Procuradoria-Geral da República enfatizou que se trata de um problema estrutural que já compromete direitos coletivos. "Não estamos diante de simples morosidade administrativa; é uma situação que ameaça a seguridade social, a saúde e o acesso à justiça de milhares de colombianos", afirmou o órgão, ao anunciar que realizará um monitoramento preventivo do cumprimento das medidas adotadas pelo Ministério.
Uma ação popular como último recurso A gravidade da situação levou à propositura de uma ação coletiva buscando medidas cautelares imediatas. Essas medidas incluem a exigência de que o Ministério do Trabalho renove a composição dos conselhos por meio do Banco de Currículos, disponível a partir de 2023, e a garantia de transparência nos processos.
A Procuradoria-Geral da República e a Controladoria-Geral da União, alerta Vega, também devem intervir: a primeira para fiscalizar a legalidade dos procedimentos e a segunda para apurar o manejo dos recursos não utilizados.
Enquanto isso, milhares de famílias continuam esperando. "Cada dia que passa sem uma decisão é uma condenação silenciosa para milhares de colombianos. O tempo perdido aqui é uma vida que não pode ser recuperada", conclui Vega.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo