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Raúl Ocampo e seu desejo de acrescentar algo extra ao comum

Raúl Ocampo e seu desejo de acrescentar algo extra ao comum
Raúl Ocampo age como se já tivesse passado por tudo, e na realidade passou. Sua carreira cresce constantemente, mas também com uma sensibilidade especial que o levou a viver papéis intensos e, acima de tudo, a navegar por momentos pessoais profundos. Vimo-lo acompanhar carinhosamente a namorada Alejandra Villafañe nos seus dias mais difíceis , despedir-se dela com ternura e, gradualmente, retornar ao seu ofício com a certeza de que a arte também pode ser um refúgio. Há evidências escritas disso, incluindo um livro.
Mas Raúl não quer ser definido apenas pela dor, mas pela forma como a transformou. Esta palestra é sobre o que ele passou, mas, acima de tudo, é um relato inspirador do que está por vir.
Quero te levar de volta àqueles primeiros momentos da sua vida. Qual foi a cena que te fez dizer: "Quero seguir carreira de ator"?
Eu estava na escola, muito pequena. Era uma escola com poucos alunos, com educação personalizada. Anos depois, entendi que era um lugar projetado para aqueles que precisavam de mais atenção — crianças com TDAH, por exemplo — embora, no meu caso, eu tenha chegado simplesmente porque me disseram que eu seria tratada de forma especial. Conversei muito com a diretora, Consuelito, uma mulher amorosa que me disse algo que me marcou profundamente : "Extraordinário é apenas adicionar um pequeno 'extra' ao comum. Esse extra é amor, magia, desejo." Saí com essa ideia, e isso me levou a encontrar a atuação.
Como surgiu essa primeira abordagem?

O ator colombiano em entrevista a José Manuel Acevedo. Foto: Instagram: @ocamporao

No começo, sofri um pouco de bullying por ser do litoral — nasci em Santa Marta. Quando cheguei a Bogotá, eu era "o costeiro" e, embora as provocações muitas vezes não fossem cruéis, ainda doíam. Como mecanismo de defesa, comecei a falar "rolo" e descobri que podia me tornar outra pessoa. Foi aí que tudo começou. Desde muito jovem, participei de peças teatrais da escola , os "Espetáculos de Natal". Eu não apenas atuava: organizava figurinos, iluminação, produção... tudo. Sentia a necessidade de tornar realidade o que minha mente projetava.
Alguma obra que lhe traz boas lembranças hoje?
Na biblioteca, encontrei uma obra que narrava uma conversa entre Deus e o diabo, preocupados com a humanidade. Adaptei-a e acabei adicionando o Papai Noel à trama. Imagine: Deus, o diabo e o Papai Noel discutindo o destino do mundo. Foi uma loucura incrível, e uma das primeiras vezes em que senti que poderia criar algo meu.
Depois daquelas primeiras peças na escola, vieram palcos maiores e audições de verdade. Você se lembra de algum projeto que não saiu como você esperava, mas pelo qual você é grato hoje por tudo o que ele lhe ensinou?
Sim, teve um no começo da minha carreira chamado X6 La Banda. Ele ia ao ar bem na hora em que você chegava da escola e fazia o dever de casa, então muita gente da minha geração assistia. O personagem era bem clichê. Lembro de uma cena que ainda me faz rir: eu fiquei na frente da garota e disse solenemente : "Rosario, não é fácil. Você tem que entender que viver a minha vida não é fácil." E ela respondeu: "Ah, eu te entendo tanto." E aí eu tive que olhar para baixo envergonhado, levantar a cabeça devagar e terminar com: "Rosario... eu sou muito mais do que um rostinho bonito." Ai meu Deus... Eles me fizeram fazer aquele look do Justin Bieber com aquela fala. Mais tarde, na escola, até os guardas me cumprimentavam com aquele: "Cuidado, aí vem o Raúl, ele é mais do que um rostinho bonito!" Ha ha. Foi uma experiência meio constrangedora e formativa.
Hehe. Escuta, a partir daí, que tipo de personagens começaram a te emocionar mais como ator?

Raúl Ocampo, ator colombiano Foto: Instagram: @ocamporao

Sou movido por personagens humanos, reais, personagens com os quais as pessoas podem se identificar ou reconhecer como alguém próximo. Por exemplo, em Café com aroma de mulher, interpretei um personagem gay. Não era o típico personagem enrustido ou caricato: era alguém que aceitava sua orientação sexual naturalmente. Nesses casos, a coisa mais fácil para um ator é recorrer ao clichê ou à comédia, mas eu sabia que não queria ridicularizar ninguém. Queria que alguém da comunidade pudesse se ver refletido nisso e dizer: "Eu também me reconheço lá". E, no final, descobri que não se tratava de "inventar" um personagem exagerado, mas sim de contar uma história de amor, ponto final. Assim como fazia cenas com uma mulher, comecei a fazê-las com um homem, com a mesma autenticidade e ternura.
No meio da sua carreira, vocês vivenciaram uma situação que ninguém gostaria de vivenciar: a doença e a partida da sua namorada, Alejandra. Como foi lidar com esse processo como casal e como figuras públicas?
Há um momento que nunca esquecerei. Li em um livro que "no dia em que meu marido morreu, tudo era normal... até que deixou de ser". E assim é a vida. Você se levanta, escova os dentes, agradece, vai ao médico... e, de repente, tudo muda. No nosso caso, tudo começou com um check-up, alguns cistos, uma biópsia e tratamento. Ale era uma mulher muito saudável; ela nunca tinha ficado gravemente doente, então, no início, nós dois pensamos que seria temporário. Mas logo percebemos a magnitude da situação.
O que eles fizeram lá?

Raúl Ocampo, ator colombiano Foto: Instagram: @ocamporao

Ela tomou uma decisão corajosa: em vez de esconder sua doença, optou por compartilhar sua jornada publicamente, não para chamar a atenção, mas para inspirar outras pessoas. Ela era uma mulher profundamente comprometida com a comunidade, e mostrar sua vulnerabilidade era sua maneira de se conectar. Chegou um momento em que me senti emocionalmente sobrecarregada: o que eu poderia fazer diante de algo assim? É como assistir ao Titanic depois que ele bate no iceberg. E no meio disso, Ale me olhou nos olhos e disse: "Amor, você pode ir embora a qualquer momento. Esta jornada pode ser só para mim." Ufa... que o amor da sua vida pudesse te dizer. Olhei para ela e respondi: "Minha alma escolheu a sua para viver isso. A sua para passar por isso, a minha para estar com você." Decidimos ficar até o fim, para deixar o amor nos salvar. E ele nos salvou, não da maneira que se gostaria, mas da maneira mais profunda: reunindo-nos nas memórias, no essencial, no presente.
Que doloroso! Depois da partida dele, o que você fez para cuidar da sua saúde emocional?
Segui meu instinto. Fui para a casa da minha mãe para me refugiar com a minha família. Então, um conceito me atingiu e deixou sua marca: a emoção vem da "e-moção", energia em movimento. Compreendi que, para transformar a dor, eu precisava movimentar energia. Então, me lancei em caminhos radicais: participei do Giro de Rigo — 90 km de bicicleta, sem nenhuma experiência anterior —, saltei de paraquedas, corri, viajei, senti meu corpo e não apenas minha mente. Foi minha maneira de navegar pelo luto sem me sentir vítima ou culpada. Não me perguntei: "Por que eu?", mas sim: "O que faço agora com isso?". Ale viveu seu processo dando o melhor de si, e essa era a única resposta possível para mim: seguir seu exemplo e dar o melhor de mim também.
…E daí surge o livro que você escreveu, uma conversa com o grande ator Jorge Enrique Abello.

Raúl Ocampo, ator colombiano Foto: Instagram: @ocamporao

Sim. É um livro que recomendo muito porque todos nós, em algum momento, enfrentaremos um luto profundo. Escrevê-lo foi uma forma de organizar minha história e compartilhá-la com outras pessoas. Depois de publicá-lo, muitas pessoas me procuraram com suas próprias perdas, e isso me permitiu transformar minha experiência individual em algo coletivo. Aprendi que o ego é o que nos separa. A espiritualidade, por outro lado, nos lembra que somos um. O que você transforma em si mesmo transforma sua comunidade. E quando sua comunidade muda, isso também impacta você.
Depois de falar tanto sobre amor e como ele te sustentou nos momentos mais difíceis, você já se perguntou se está pronto para amar novamente?
Sim, claro. Chegou um momento em que percebi que estava recriando a persona de "Raúl que superou a dor" repetidamente. E uma voz interior começou a me perguntar: "O que mais? O que vem depois de dizer 'eu superei a dor'?" Então eu disse a mim mesmo: "Raúl, você está pronto para se apaixonar novamente?" E a resposta, com medo, mas com determinação, foi sim. Quero me apaixonar novamente, me animar novamente , começar uma família, viver muitas vidas nesta vida. Tive grandes amores — minha mãe, minhas irmãs, Aleja — e sei que haverá outros por vir: os filhos que tenho, as pessoas que a vida coloca no meu caminho. Viver é estar disposto a dar o salto, uma e outra vez.
Se alguém que estivesse de luto hoje lhe dissesse: “Não vejo saída”, o que você diria?
Eu diria a eles que, se não veem uma saída, é porque ainda não criaram uma. Não se trata de negar a dor, mas de assumir a responsabilidade pelo que fazemos com ela. Não somos responsáveis ​​pelo que nos acontece, mas sim pela nossa reação a isso. Primeiro: não viva a partir de um lugar de culpa ou vitimismo. Nada cresce nesses lugares. Segundo: comece a construir uma nova vida, aos poucos. Procure ajuda, mude, tente coisas diferentes. Se você continuar fazendo a mesma coisa de antes, o resultado será o mesmo.
Vamos olhar para o futuro. Quando você tiver mais de 40 anos, onde você se vê, Raúl?

Raúl Ocampo, ator colombiano Foto: Instagram: @ocamporao

Imagino impactar a comunidade, contribuir para a transformação de outras pessoas. Já estou plantando essas sementes. Com um dos meus melhores amigos, o Víctor — sim, o "Papai Noel", aquele da peça da escola —, montamos uma escola em homenagem à Alejandra: o Clan Atelier. É um espaço para crianças e jovens artistas que já sentiram o chamado da arte em seus corações. Lá, eles recebem não apenas formação tradicional, mas também formação artística: atuação, canto, dança. Queremos que eles saiam para o mundo com mais ferramentas do que nós tínhamos. Também me vejo atuando, escrevendo, dando palestras e acompanhando processos.
Impactar, adicionar, transformar… isso resume muito bem sua história.
Sim. Acho que é disso que se trata a vida, no fim das contas. Adicionar um toque extra ao comum. Transformar o cotidiano em algo que toca vidas. E entender que a dor também pode ser uma raiz da qual novas coisas brotam.
eltiempo

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