UE, a crise do modelo idealista e normativo e soft-policy

Estamos em 2025, a assistir a uma lenta agonia das instituições da ordem liberal internacional e multilateral nascida em meados do século passado. Foi nesse contexto de progresso e prosperidade, de direitos humanos, civis e políticos, de diplomacia e paz ocidental, que nasceu o projeto das Comunidades Europeias, um projeto liberal, idealista, normativo e regulatório. Tudo correu normalmente até aos anos setenta, quando foi declarado o fim do sistema de Bretton Woods, ou seja, do padrão divisas ouro com base no dólar. As moedas passaram a um regime de câmbios flutuantes e na Comunidade Económica Europeia passou a falar-se serpente monetária, sistema monetário europeu, mecanismo de câmbios e unidade de conta europeia (ECU). Em 1992, o Tratado de Maastricht é a resposta europeia às mudanças geopolíticas recentes, a saber, o fim da guerra fria, a unificação alemã e o fim da União Soviética. O projeto europeu avança no seu processo de integração, nascem, assim, o mercado interno, a coesão económica, social e territorial e a moeda única, o Euro, que entrará em circulação em 2002. Entre 1992 e a grande crise de 2007/2008 assistimos a uma espécie de unilateralismo ocidental que deixa marcas profundas no sistema de relações internacionais, em particular no vizinho russo que viu não apenas o seu império euroasiático a desmoronar-se, mas, também, a NATO e a União Europeia a alargarem-se em direção ao leste europeu e à sua fronteira. Não surpreende, por isso, que 2008, 2014 e 2022, sejam sinais evidentes de que a geopolítica de proximidade não estava a atravessar um bom momento. Entretanto, gradualmente, os EUA e a China deslocam o eixo geopolítico principal da sua política externa para a região do Indo-Pacífico e, assim, relegam para plano secundário as relações euro-atlânticas e euroasiáticas.
Aqui chegados, só posso constatar que, perante uma constelação de grandes potências assente numa ideologia nacionalista, populista, belicista e autocrática, a bela e inspiradora ideologia liberal, idealista e normativa da União Europeia está, hoje, pelas ruas da amargura. Deixo, por isso, para retomar em reflexões posteriores, as 10 grandes questões, em termos simples, que se impõem neste momento à construção do projeto europeu:
- Mais Europa federal ou mais Europa intergovernamental? Uma Europa mais federal, com um senado europeu como 2ª câmara do parlamento europeu e um maior número de decisões por maioria, ou uma Europa intergovernamental a várias velocidades, com mais Eurogrupos, estruturas de missão executivas e diretórios intergovernamentais?
- Mais defesa europeia no quadro da OTAN ou mais defesa autónoma europeia? Uma maior coordenação político-militar e forças conjuntas no quadro da Nato ou uma maior autonomia geoestratégica da União e da Europa com direção política, forças conjuntas e indústria próprias?
- Que estratégia tecno-digital para a segurança europeia? Uma política ou diplomacia especifica com as grandes tecnológicas americanas e chinesas visando realizar investimentos conjuntos na Europa ou uma política tecnológica própria de campeões tecnológicos europeus?
- Que política energética e rede de interligações na União Europeia? Uma política energética comum que aposte tudo na rede de interligações europeias e extraeuropeias de energias alternativas ou uma rede energética de geometria variável e várias velocidades e mix energéticos nacionais?
- Que política industrial e tecnológica para a União Europeia? Uma política industrial europeia baseada em investimentos e financiamentos conjuntos como uma aposta na investigação, inovação e reindustrialização da Europa e na sua autonomia estratégica ou uma mera política regulatória e concorrencial que aceita diferentes políticas industriais nacionais?
- Que transição ecológica e ambiental e política regulatória? Uma política de transição ecológica e ambiental que concede incentivos e acredita nas boas práticas, métricas de sustentabilidade e regula comportamentos dos agentes nos mercados ou um pacto de transição para promover a Grande Transformação do ecossistema europeu?
- Que economia social de mercado no espaço europeu? Um pilar social europeu, pós-keynesiano, que aposta em políticas inovadoras do lado da procura e do rendimento ou uma política de investimentos conjuntos do lado da oferta e que promovem a reindustrialização do mercado interno?
- Que política de alargamento e vizinhança? Uma política realista de boa vizinhança e cooperação com todos os vizinhos onde a diplomacia económica substitui as sanções ou um endurecimento e um escalar dessas relações em direção a um limiar perigoso de segurança coletiva?
- Que política externa, bilateral e multilateral, no quadro internacional? Uma política externa de cooperação internacional, de comércio e investimentos conjuntos com países terceiros, ou uma política externa de áreas de influência e política de potência traduzida em sanções e guerras comerciais?
- Que política orçamental e monetária para a União Europeia? Uma política orçamental e monetária sob coordenação conjunta, com mais receitas próprias, um mercado integrado de capitais e financiamentos obrigacionistas europeus ou uma Europa sempre desconfiada das dívidas públicas nacionais?
Nota Final
Termino como comecei. Vivemos um momento crítico na esfera política da União Europeia. A Europa está entalada entre a potência atlântica e a potência euroasiática. A Europa não é uma potência no plano geopolítico e geoestratégico. Durante a presidência de Donald Trump tudo pode acontecer. Vamos continuar a fazer navegação à vista à espera que a tempestade passe ou vamos tomar decisões políticas graves e sérias a breve prazo, nos próximos quatro anos que, de alguma forma, desencadeiem a Grande Transformação da União Europeia, o seu renascimento geopolítico e geoestratégico?
Entre o acaso e a necessidade, o que fazer? Voltarei ao assunto.
observador