O luxo de ser cool com(o) Jonathan Anderson

Em 2017, Anderson lançou-se como curador, com a exposição “Corpos Desobedientes”, no Hepworth Wakefield, em West Yorkshire. Obcecado com cerâmica, tão curioso em relação ao trabalho do artista multidisciplinar David David Wojnarowicz, como à criação do período medieval e pré-industrial britânico, ou ao filósofo e designer William Morris (cujos padrões usou numa coleção cápsula da Loewe em 2017), investe no trabalho de casa sem esquecer o business puro e duro. “Nenhum designer hoje pode ser completamente separado das realidades dos negócios. Talvez há uma década, mas não mais”, diz. “É sobre sobreviver, de ficar por perto tempo suficiente para dizer todas as coisas que você quer dizer.”, defendeu ao diário norte-americano.
Um dia antes, jornalista e perfilado encontraram-se em Paris. De Madrid para a cidade luz, foi aqui que Jonathan decidiu instalar o centro criativo da Loewe, trabalhando a partir do espaçoso estúdio com vista para a igreja de Saint-Sulpice. Dividia-se entre França e Londres e duas vezes por mês visitava o quartel general da marca, em Madrid.
Quando o norte-irlandês assumiu as rédeas criativas da Loewe já o historial era longo — mas faltava assistir à masterclass sobre branding no século XXI, e alargar o potencial de horizontes de uma etiqueta essencialmente célebre pelas suas carteiras (e relativamente obscura para o grande público fora das fronteiras espanholas). Neste particular, é justo referir o nome do CMO Charlie Smith, que superintendeu todas as manobras de alavancagem. E claro que analisando todo o universo seria preciso mencionar contributos como o de Javier Carvajal, o arquiteto responsável pela modernização da imagem das lojas da marca.
Foi em 1846, em Madrid, que um grupo de empreededores que trabalhavam com o couro lançou as bases da empresa. Em 1872, Enrique Loewe Roessberg juntou-se ao grupo e consolidou as operações. Chegados a 1905, o luxo das criações já fornecia a coroa espanhola. Da rainha Victoria Eugenia a Ava Gardner, a marca gerou uma fiel carteira de clientes de topo. A primeira coleção de pronto a vestir chegou em 1965. Cinco anos depois, fixava-se o icónico logo e em 1975 lançavam a famosa carteira Amazona. Louis Urvois e Gian Luca Spinola detêm a maioria das ações da Loewe em 1984, ano em que o grupo LVMH entra em cena e se enceta um novo capítulo. A partir desse período e até 1996 coube a Giorgio Armani e Laura Biagiotti desenhar as coleções femininas da etiqueta. Em 1984 o grupo presidido por Arnaud adquiria os direitos de distribuição da Loewe e uma década volvida já controlava a marca na totalidade.
O impactante consulado de Anderson quase nos faz esquecer a lista de antecessores mas entre 1996 e 2001 a direção criativa esteve entregue a Narciso Rodriguez. Seguiram-se no cargo José Enrique Oña Selfa (até 2007) e Stuart Vevers (até 2013) — e nenhum deles conseguiu surtir o efeito do beijo do príncipe sobre a Bela Adormecia. Depois de Anderson, não se pense que o interesse sobre os sucessores tem tudo para definhar. A dupla norte-americana Jack McCollough e Lazaro Hernandez, virtuosos fundadores da Proenza Schouler, mantém as expectativas do público elevadas – mas, bom, terão em mãos a hercúlea tarefa de virar a página e encetar um novo enredo.

Com Anderson na Loewe, a marca aderiu ao universo conceptual, divertido e de alta-costura, num equilíbrio incomum no setor. Os desfiles tornaram-se acontecimentos, as imagens das campanhas viralizaram, e a artesania espanhola conheceu um novo fôlego e requinte. Da passerelle às ruas, da red carpet ao cinema, a era “Loeweverson” está recheada de criações e momentos icónicos. Muitos deles carregados de um humor e desejo que nos teleguia de imediato para uma certa inocência e estranheza que se entranha.
A receita do sucesso talvez esteja nesse olhar lúdico que aplica a cada momento, explorando o recurso ao surrealismo e ao tromp l’oeil. O luxo tornou-se cool como um tomate carteira ou um top antúrio, trabalhável como uma plasticina colorida de efeito monumental, desejado por todos mas, claro, apenas à distância de uns quantos happy few. Que o diga a sua Puzzle Bag saída da coleção de outono de 2015, um clássico instantâneo desempoeirado de aborrecimentos, cuja etiqueta passa facilmente os 3 mil euros. O mesmo se pode dizer da Flamenco clutch ou das versões em ráfia Paula’s Ibiza. Por tudo isto, sim, não era tanto saber se mas antes quando daria o salto seguinte.
Em 2016, Anderson oficializou a sua devoção ao artesanato fundando o Loewe Craft Prize para artesãos de todo o mundo trabalhando em vidro, couro ou mesmo papel. E este é de facto um ponto fundamental. Se quiserem perceber a fórmula JWA dir-se-ia que a fricção é indispensável (perceber e antecipar o tempo e os tempos também ajuda). Haverá progresso e satisfação sem conflito? O toque couture da artesania é conjugado (e até amplificado?) pelo contraste com uma certa crueza. O resultado são peças tão intrigantes quanto belas, ou como a energia da imperfeição nunca pareceu tão apelativa. Uma camisola de malha que parece tricotada de forma amadora pela avó em casa. A nostalgia de uma referência de infância estampada num print. Um nível de avant guarde que permite que as suas peças mantenham a característica usável, para quem gosta de arriscar sem temer espalhar-se ao comprido.
A lista de momentos icónicos nos últimos anos é vasta. Não é que precisasse do milho da televisão para se consagrar, mas quando um pombo aparece nas mãos de Carrie Bradshaw, no set da sequela de O Sexo e a Cidade, é garantido que o fenómeno levanta voo. A carteira foi só um dos elementos mais comentados na série And Just Like That.
2024, por exemplo, trouxe-nos uma dama Maggie Smith com a sua então provecta idade na campanha primavera da Loewe. Para o inverno, o ator Daniel Craig submeteu-se a uma inesperado extreme makeover no que ao estilo diz respeito. A passadeira vermelha da Met Gala tem boas histórias para contar mas nada bate o anúncio da gravidez de Rhianna em pleno intervalo do Super Bowl, num look com a sua assinatura, ou o guarda-roupa da Renaissance World Tour de Beyoncé. Quando chegamos ao cinema, a simplicidade de uma t’shirt cinzenta com a frase ‘I Told Ya’vestida por Zendaya em “Challengers” chega a sobra para fazer escola. Também a longa-metragem “Queer” de Lucca Guadadigno contou com figurinos de Jonathan.
“Gosto da ideia de que as pessoas hoje estão tão culturalmente conscientes de que tudo o que entra em suas casas importa tanto quanto cada peça de roupa”, explicava Anderson à Wall Paper em 2015, quando se embrenhou sem hesitações nos arquivos da Vogue Italia e assumiu a sua fixação pelas imagens de Steven Meisel saídas de 1997. “Deixo-me inspirar em imagens de moda e não tenho medo de mostrá-lo”, admitia o designer, que nas primeiras campanhas publicitárias para a marca espanhola trouxe para bordo o fotógrafo americano, no lugar de Mert Alas e Marcus Piggot.
Para a primavera de 2025, a coleção com que celebrou com estrondo uma década de vanguarda na Loewe, deu-nos esvoaçantes vestidos de chiffon com crinolinas. Claro que a armação em formato de gaiola saída do século XIX chegou com um monumental twist: inofensiva, livre de espartilhos e usada por manequins de lentes aviador, mãos nos bolsos, e sapatos rasos, como se desfilassem o mais prosaico do streetwear.
observador