Imperialismo euroamericano: reparar ou celebrar?

No dia 8 de Julho de 1853, o Comodoro Matthew Perry chegou com quatro navios de guerra à Baía de Edo1 para entregar uma carta do Presidente dos Estados Unidos, Millard Fillmore, endereçada a Sua Alteza, o Imperador do Japão. O conteúdo da missiva? Eliminem, se fazem favor, as vossas barreiras não tarifárias2 ao comércio3 internacional, senão viremos cá nós desmantelá-las …
Todos os japoneses perceberam a ameaça à soberania nacional, e todos se indignaram4. Como usualmente, dividiram-se em dois grupos, um que defendia a resistência armada ao imperialismo5 americano, custasse o que custasse, e outro que gostaria de resistir militarmente6, mas que, pessimista7 em relação às perspetivas de sucesso desta opção8, defendia que o Japão devia, para já, aceitar as imposições9 que lhe eram feitas.
O resto é história. Que meteu pelo meio uma guerra pouco-civil, com sangue, ferro e fogo, entre as duas fações, e uma revolução, “restauração” no politicamente correto novecentista nipónico, que alterou radicalmente, primeiro, o sistema político, e transformou depois o económico e social da nação. Gradualmente os japoneses adotaram com entusiasmo a democracia, os sapatos, o comércio internacional, a eletricidade, o liberalismo, o garfo e outros sinais externos da civilização euroamericana, adoção potenciada não só pela capitulação do seu governo a uma ameaça militar externa, mas também por uma vergonhosa imposição imperialista.
Ainda hoje estão ativos, e fazem bastante barulho10, aqueles poucos radicais de direita que acham que a aceitação das imposições do imperialismo euroamericano foi não só uma vergonha para um povo de samurais, mas também um erro com consequências desastrosas para a alma da nação. No entanto, a sua representação parlamentar é nula. Espantoso, espantoso é, no entanto, nunca ter passado pela cabeça nem do governo japonês, nem de exaltados ativistas nipónicos, exigir reparações aos descendentes dos agentes do imperialismo euroamericano pelos danos sociais, políticos, mentais e culturais causados pelos tratados desiguais que foram então impostos.
Pior: os japoneses passaram a celebrar, regular e repetidamente, com monumentos, festivais e outos eventos festivos a abertura forçada dos portos de Shimoda e de Hakodate em 1854 às forças imperialistas, e dos concomitantes vexames a que foram sujeitos, como a atribuição de direitos extraterritoriais a todos os cidadãos americanos, de comerciantes a cônsules, que lá passaram a residir. Dito por outras palavras: celebram a sua capitulação e mostram-se gratos com as imposições para-coloniais que então sofreram às mãos das forças imperialistas. Porquê gratidão11 e não ressentimento como na China comunista? Porquê festejos em vez de manifestações, colóquios e outras atividades guturais a exigir reparações em moeda sonante como na África socialista?
Esta atitude dos japoneses levanta uma possibilidade que parece deveria merecer a atenção e estudo por académicos, diplomatas e ativistas similares: não terá o imperialismo euroamericano levado às suas vítimas coisas boas juntamente com as más? Será, por exemplo, que a escravatura teria sido ilegalizada em África, os sacrifícios humanos abolidos nas Américas, e o sistema democrático implantado na parte Formosa da China, India, Japão ou Malásia sem a sua contribuição?
E não será que, em balanço, o que de bom receberam as vítimas ultrapassa o mal que sofreram, dos vexames do colonialismo às indignidades do racismo12? Se assim não fosse, o que os impediria agora de reimpor a ordem antiga, pré-imperialismo, na sua pureza? Porque não abolir os estados em Africa e voltar ao tribalismo, desmantelar o sistema judiciário moderno na India e restabelecer as castas, ou fechar o comércio internacional na China e Japão e retaurar os infernais13 sistemas de párias (Jianmin 賤民 e Hinin 非人, literalmente e respetivamente “intocáveis” & pessoas “não-humanas”)?
E, ainda mais importante, não será que as diferentes atitudes das vítimas do imperialismo euroamericano, a raiva14 d’umas e a gratidão d’outras, nos dizem mais sobre elas próprias, de que tipo de fibra são tecidas, sobre como encaram e gozam a vida, do que revelam sobre as malfeitorias que alguns euroamericanos, há muito mortos, praticaram? Quem gosta de viver ao pé de um raivoso? E, pelo contrário, que agradável não é conviver com pessoas agradecidas? Afinal que temos de bom, todos nós, que não tenhamos, direta ou indiretamente, recebido? (1 Cor 4,7)
A gratidão é uma virtude fundamental que fortalece os laços humanos e promove bem-estar psicossomático. Ser grato é reconhecer o valor das pequenas e grandes ações que recebemos dos outros, cultivando humildade e generosidade, seja individualmente, seja como membro de uma cultura, grupo ou nação. Agradecer e celebrar o que recebemos não apenas gera & fortalece amizades, mas também nos ajuda a enxergar a vida com mais otimismo e empatia. A esta luz os japoneses parecem que sabem viver bem. Os outros, esses, são uns coitados, por opção própria… Merecerão reparações? Se optam por não ser gratos & preferem adotar uma atitude puramente transacionalista, não será que lhes deviam ser cobrados os benefícios que receberam do imperialismo euroamericano?
Us avtores não segvew as regras da graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein as du antygu. Escreuew covmv qverew & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam
- A “Baía de Edo” foi, entretanto, rebatizada “Baía de Tóquio” em 1868, uma iniciativa imitada um século e meio mais tarde pelo 49º presidente americano para vários acidentes geográficos no, e à volta do, seu país.
- Tarifa: o imposto à importação desenhado para proteger a ineficiência dos produtores nacionais & incentivar a sua ganância, e que é requerido pela falta de espírito cívico e de sentimento patriótico dos consumidores locais.
- Comércio: troca de um bem substancial por um símbolo insubstancial do seu valor; a arte que nos liberta da pobreza, segundo Sócrates (o do Geórgias); transação voluntária, ao contrário da tributação e da pirataria.
- Indignação: sentimento moralista e antiquado, que caiu em desuso; foi substituído pela raiva.
- Imperialismo: forma de organização política que surge naturalmente quando os governos monárquicos e republicanos deixam de funcionar e o povo se farta da anarquia.
- Militar: um tipo de funcionário público que, à semelhança dos outros, nada produz, mas que defende a nação de potenciais invasores devorando tudo o que os poderia atrair.
- Pessimismo: uma visão que nos é imposta constantemente pelo otimismo oco e desanimador dos nossos políticos e feirantes afins.
- Opção: oportunidade para escolher o desapontamento, a base e fundamento da liberdade & responsabilidade humana.
- Imposição: o ato de benzer ou consagrar pela colocação de mãos sobre o sujeito passivo, comum a vários sistemas eclesiásticos, mas praticado com especial entusiasmo por deputados, ministros e outros agentes do estado aos rendimentos e património da populaça.
- Barulho: fedor tal como sentido no ouvido; produto característico dos humanos quando se congregam em sociedade.
- Gratidão: sentimento fugaz que esperamos vir a ter depois de receber um favor, mas que se desvanece assim que surge a expectativa de receber o seguinte.
- Racismo: uma área especializada da palermice humana; enfermidade mental que ataca indivíduos de todas as raças e que é que infeciosa; — sistémico: uma doutrina política moderna levada à pratica por políticos nacional- e internacional-socialistas e executada com grande entusiasmo por políticos warxistas nos Estados Unidos.
- Inferno: estado ontológico com sulfurosidade algo inferior à da nossa comunicação social.
- Raiva: expressão artística de desagrado, usualmente reservado para situações momentosas; sentimento nobre & exalariante num woke, especialmente quando usado para demonstrar o seu visceral desagrado com o bom senso alheio.
observador