Há sexo na escola? Então não há!

O que é a sexualidade? O que é o sexo? E porque é que não se fala mais dele? “Mas eu sou uma pessoa normal, e os meus pais nunca tiveram de me falar de sexo!” O que é ser uma pessoa normal? O que é olhar para o sexo como uma pessoa normal? O sexo e a sexualidade são diferentes para toda a gente, mas há uma coisa inegável, são uma parte essencial do nosso ser relacional, mas também da nossa individualidade. Ter saúde sexual não é apenas dar uso à função reprodutiva do sexo, ter saúde sexual é “um estado de bem-estar físico, emocional e mental em relação à sexualidade, não é apenas a ausência de doença, disfunção ou enfermidade” (OMS, 2006).
“O sexo não precisa de ser falado nas escolas!” Será que não precisa? Vou relatar uma pequena experiência pessoal, porque considero que é sempre preferível falar a partir de um lugar palpável, de realidade, e a verdade é que nos esquecemos demasiadas vezes de enquadrar as nossas decisões e opiniões no que realmente se passa lá fora. Já desempenhei atividades de professora substituta numa escola primária, o que me permitiu ter um contacto regular e enriquecedor com crianças entre os 6 e os 11 anos. Posso assegurar-vos de que muitas crianças desta faixa etária imitam movimentos sexuais, por vezes de forma violenta, e tentando magoar os próprios colegas e professores. Não faltava também o uso constante de vocabulário de cariz sexual e agressivo. As crianças falam-nos de sexo mesmo sem lhes pedirmos que o façam e, chegados a este ponto, talvez tenhamos de fazer perguntas “atrevida” — Como é que é a educação sexual destas crianças em casa? O que é que as crianças pensam sobre o sexo? E porque é que é tantas vezes, principalmente em escolas com contextos de maior fragilidade social, encontramos crianças a associar o sexo a violência, desrespeito? E porque é que utilizam o que sabem sobre o sexo como uma forma de atacar os limites do outro, sejam colegas ou professores.
São perguntas para Euromilhões, mas, por enquanto, fica uma reflexão — os teus, vossos, nossos filhos conhecem o sexo. Nas escolas, as crianças usam o sexo como brincadeira, mimetizam-no, usam vocábulos “adultos” e até nos fazem perguntas atrevidas. Então, porquê fechar-lhes esta porta? O sexo existe na escola e em casa, porque, naturalmente, o sexo existe na vida. Mas o sexo, tal como tantas outras coisas, não existe da mesma forma em todas as casas. Há casas onde o sexo é um lugar desprotegido, inseguro, abusador, proibido. E se tanto é verdade que cabe aos pais decidir como é que o sexo é vivido nas suas casas, também é verdade que a autoridade dos pais não é incontestável. Os filhos não são propriedade dos pais, apesar de muitos pais entenderem esse facto demasiado tarde, muitas vezes quando já é tarde demais para reparar a relação entre pais e filhos. Os pais têm deveres para com os filhos, mas nem todos os cumprem do modo mais adequado, daí que tantas famílias tenham de recorrer à justiça.
Na primária, ensinam-nos que não devemos passar sinais vermelhos e, apesar de haver pais que não cumprem estas regras, os seus filhos, cidadãos individuais e do mundo, têm o direito de saber que existe a proibição de passar o sinal vermelho, assim como os pais estão no seu direito de darem o exemplo que quiserem. Equiparando o sinal vermelho ao preservativo, por exemplo, os pré-adolescentes têm o direito de saber que se não usarem o preservativo estão sujeitos a doenças sexualmente transmissíveis e a uma gravidez, tal como os pais, se assim o desejarem, têm o direito de ensinar aos filhos que “o preservativo só serve para atrapalhar”. Não é por serem menores de idade que os nossos filhos não têm direito à informação, e não há hipocrisia maior do que rejeitar que a informação seja dada nas escolas quando, na verdade, todos sabemos que os jovens têm acesso a tudo à distância de um clique. E se, em vez de limitar conteúdos programáticos, entendêssemos, de uma vez por todas, que a internet e as redes sociais já ultrapassaram os limites de qualquer conteúdo? As nossas crianças nasceram num mundo onde o Inferno e o Paraíso estão completamente acessíveis em todo o lado. Não é tempo de limitar conteúdos, é tempo de lidar com as consequências do nosso tempo e do excesso de conteúdo, falando dele abertamente nas salas de aulas, nas casas, nas ruas, e onde for possível.
Outra questão importante é deixar claro que a escola tem tido dificuldades em fazer passar qualquer tipo de informação. Fui aluna da escola pública toda a minha vida e tenho irmãos que ainda o são e a verdade é que, infelizmente, a escola nem sempre diz muito aos alunos. As aulas de cidadania que tive do 5º ao 9º ano serviam para essencialmente dois pontos: a) fazer trabalhos de casa de outras disciplinas e b) ouvir os professores fazer desabafos sobre o mau comportamento da turma. As ditas aulas de cidadania estão longe de conseguir ser um lugar de aprendizagem. Quanto ao receio de alguns pais em relação à “doutrinação ideológica” de alguns professores, posso garantir-vos, sem grande novidade, que é praticamente impossível controlar aquilo que um professor diz aos vossos filhos. Por exemplo, aos 13 anos, eu e todos os meus colegas de uma turma de 28 alunos, ouvimos prontamente, numa aula de francês, que íamos ser uns “falhados na vida” e “trabalhar em caixas de supermercado”. Uma afirmação questionável a todos os níveis. Que terão pensado os alunos com pais a trabalhar em caixas de supermercado? Para aqueles que estão preocupados com “doutrinação ideológica”, a verdadeira preocupação não será ter professores que chamam “falhados” a jovens de 13 anos? E com isto não quero generalizar nem fazer uma crítica oca aos professores, apenas se trata do relato subjectivo da minha experiência.
Pela vida fora, as crianças são expostas a diversos tipos de comentários e é evidente que há formas mais e menos sensatas de falar sobre sexualidade com jovens. Um professor que diga a crianças que “só és homem se gostares de espiar as raparigas no balneário e se andares à bulha” é tão recriminável como um professor que diga “tens de ser menos masculino para não te tornares num homem tóxico”. No meu entender, uma educação sexual positiva e saudável não passa por exigir às crianças que se tornem num espelho daquilo que nós queremos. A verdade é que muitas vezes caímos no erro de desejar que as nossas crianças sejam reflexos de nós, mas elas têm o direito de serem reflexos de si mesmas. Aliás, a masculinidade e a feminilidade não são, por si só, boas ou más. Ser masculino não é negativo, tal como ser feminino não é negativo. Masculino não é sinónimo de violência, feminino não é sinónimo de fraqueza, apesar de muitos nos quererem impor estas definições. Não temos de pedir às crianças que sejam mais ou menos femininas, mais ou menos masculinas, temos sim de lhes passar valores humanos, de as fazer entender que temos de aceitar as pessoas como elas desejam ser, que o que nos junta a todos é a nossa humanidade e que não são as nossas características mais ou menos femininas ou masculinas que nos separam. Não é nosso o papel de exigir às crianças que sejam como nós queremos, elas serão aquilo que quiserem. Nós apenas temos de lhes mostrar que o amor, a aceitação, o entendimento e a compreensão podem ser cultivados. A minha posição, tal como acredito que sejam muitas outras, não assenta em ideologia política, mas sim numa forma de olhar para o mundo e para as pessoas.
Mas, voltando ao início, por que não falar com as crianças sobre sexo e sexualidade se elas o conhecem, se elas o tratam por tu muito antes de nós imaginarmos? Por que não falar sobre sexo quando as crianças mimetizam o sexo mesmo sem que os pais tenham falado sobre ele? Há pais que sugerem que os filhos nunca teriam “certas ideias” na cabeça se a escola não as “plantasse”. Talvez ficassem surpreendidos. Os nossos filhos sabem sempre muito mais do que nós pensamos. E o que não sabem, inventam à sua maneira, com as informações que têm à disposição. E, visto que grande parte da informação que está disponível nas redes é feita de violência, desrespeito, bullying e ódio, talvez seja melhor falarmos com os nossos filhos e alunos sobre sexo, mas principalmente sobre a forma como o sexo pode ser vivido para trazer bem-estar e saúde física e mental às nossas vidas.
Há sexo na escola? Há, sempre, mesmo que não queiramos falar sobre ele. E na política? Será que o sexo também é política? Se observarem uma criança em desenvolvimento, entenderão que ela não encontra política nem ideologia na sexualidade. Se forem acolhidas, entendidas, socializadas, amadas, as crianças encontram amor no sexo e na sexualidade, encontram gargalhadas bem-dispostas, encontram a sua autoconfiança, a sua autoestima, a sua identidade. As crianças não querem saber da política e nós, adultos, parece que não queremos saber das crianças.
observador