A falta de moradia pode se tornar um golpe de sorte? O drama de autodescoberta "The Salt Path" tenta responder a essa pergunta.


Um casal, uma casa retomada, falta de moradia. E então começa: dois baby boomers na faixa dos cinquenta e poucos anos, carregados com mochilas pesadas e o pouco dinheiro que seus credores lhes deixaram, percorrem a Trilha da Costa Sudoeste, de Somerset a Dorset. São cerca de mil quilômetros – uma verdadeira proeza para duas pessoas enfraquecidas pela ansiedade existencial e pela doença.
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As coisas acabam bem para os dois, como sempre acontece em histórias de redenção. Isso já aconteceu em "Na Natureza Selvagem", o drama de autodescoberta estrelado por Reese Witherspoon. Uma ex-viciada em heroína, sobrecarregada pelo divórcio e traumas familiares, percorreu os 4.280 quilômetros da Trilha Pacific Crest em busca de autodescoberta e emancipação.
"The Salt Path" também é uma história de empoderamento. Na jornada por Somerset, Devon, Cornwall e Dorset, fica claro que a vida de classe média é cheia de bagagem, mas a vida na pobreza é plena de liberdade. Basta a aceitação necessária. E, claro, um pouco de resiliência — palavras-chave: fome, viver em uma barraca — também é necessária.
Meios de autodescobertaLiberdade, aqui, é apenas outra palavra para não ter mais nada a perder. A ideia, cantada pelo ícone da contracultura Janis Joplin, de que a pobreza é o meio para a autodescoberta sempre esteve em voga, exceto por um ponto baixo ideológico na década de 1980. Compreensível: declarar imposto de renda é suficiente para fazer alguém odiar a vida administrada de cima a baixo. "The Salt Path" cultiva essa mentalidade com imagens magníficas de beleza natural. Não importa o quão desesperado alguém esteja, o céu majestoso, estendido sobre um mar agitado, é sublime – independentemente do saldo bancário.
A estreia de Marianne Elliott na direção poderia facilmente ter se tornado um kitsch cinematográfico, uma lição de moral tecida a partir de noções de atenção plena e da crença na renúncia. O resultado diferente se deve aos excelentes atores: Jason Isaacs no papel do empresário fracassado que sofre de síndrome corticobasal, um distúrbio neurológico geralmente fatal. Ele demonstra que a pressão econômica extrema nem sempre desenvolve um personagem brilhante, mas sim corrói a masculinidade e a torna porosa. Este personagem oscila entre o machismo e a lamentação em sua jornada para forjar uma nova autoimagem.
Gillian Anderson, sem maquiagem, exausta e dividida entre o medo pelo marido e a preocupação pelos filhos, de quem a situação foi mantida em segredo, está brilhante. Ela demonstra com confiança sua aura de beleza impecável de Hollywood, revelando a personagem de uma mulher decepcionada com a vida, mas não resignada a ela, nas mais sutis nuances de expressão.
Qualquer um que ainda não tenha se apaixonado por Anderson depois de seus papéis principais em séries como "Sex Education" e "The Crown" vai se apaixonar aqui: Coragem, melancolia, bravura, dúvida e confiança - Anderson retrata todas essas emoções na tela de seu rosto até que elas criem um autêntico quadro de feminilidade moderna.
Falso? Irrelevante!O filme foi baseado no livro de memórias homônimo da autora inglesa Raynor Winn. Ela caiu em descrédito porque o jornal inglês "Observer" afirma ter descoberto que alguns fatos eram incorretos e que a história foi embelezada, se não inventada. Isso é irrelevante para o filme – se a história é 100, 50 ou 20% verdadeira, isso não diminui seu valor moral ou estético.
A menos, é claro, que se insista no selo de aprovação do realismo e se valorize tanto mais uma obra de arte quanto mais ela se baseia em fatos. Nesse caso, a literatura e o cinema são meramente um repositório de evidências da realidade, e isso limita a experiência estética. Essa também é uma bagagem da qual se pode se livrar.
No cinema.
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