A cultura é o que nos distingue dos outros – e nos conecta a eles: Por que as pessoas precisam de pinturas rupestres e estátuas de deuses


“Intercultural” se tornou um termo da moda, mas não está totalmente claro o que significa. “Intercultural”, escreveu o filósofo francês François Jullien, só pode consistir em “desenvolver esse meio-termo, esse diálogo, como uma nova dimensão do mundo e da cultura”. O livro «Cultura. “Uma Nova História do Mundo”, do estudioso literário de Harvard Martin Puchner, parece uma resposta à tese de Jullien — e, acima de tudo, como uma ilustração do que se entende por esse “entre” dialógico.
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Em 15 capítulos, Puchner relembra vários círculos culturais, embora não se preocupe com fenômenos culturais fechados. Não é uma visão de cultura que poderia ser apropriada e teria que ser defendida. E não sobre “bens culturais” que pertencem exclusivamente a um grupo e seriam declarados zona proibida para forasteiros. Segundo Puchner, a cultura surge não apenas dos recursos de uma comunidade, mas também dos encontros com outras culturas.
Para Puchner, o busto de Nefertiti no Museu Bode de Berlim é uma oportunidade de explorar a questão de se o monoteísmo judaico teria sido possível sem o encontro de um grupo seminômade vivendo nas periferias do antigo império egípcio com o culto de Aton do faraó Akhenaton e sua esposa Nefertiti. E a estatueta de uma deusa sul-asiática encontrada em Pompéia o leva a refletir sobre o quão “original” era a cultura da Roma Antiga.
A corrupção grega em RomaDe certa forma, esses dois exemplos também trazem à tona as diferentes funções do museu: de um lado, a preservação de bens culturais e, de outro, a comparação de diferentes culturas. E, finalmente, promover processos criativos reconhecendo o que distingue as obras de arte individuais umas das outras – e o que separa o espectador da obra.
Especialmente em uma cultura como a romana, que pelo menos desde que Virgílio se referiu à mítica Troia, surge a questão da originalidade: existe mesmo uma cultura original? Não é toda cultura o resultado de um "enxerto cultural": "Para explicar e justificar — retrospectivamente — o enxerto grego na cultura de Roma, Virgílio fez mais do que simplesmente retrabalhar os dois épicos de Homero em um novo romano."
Martin Puchner também concorda que o surgimento de culturas é baseado na imitação. Mas aonde isso leva se o objetivo da imitação é tornar-se inimitável, como Johann Joachim Winckelmann recomendou aos seus contemporâneos alemães em relação à Grécia antiga? Esta teria sido uma oportunidade de mostrar, por meio de um exemplo concreto, que qualquer forma de nacionalismo leva à paralisação do processo de assimilação cultural. E assim a própria cultura chega a um impasse.
Recursos para o futuroMartin Puchner não se refere apenas a exemplos europeus de transferência cultural: em vez disso, ele traça as linhas até Saint-Domingue. Na ilha, hoje chamada Haiti, em homenagem à língua indígena taíno, a adoção das ideias revolucionárias de 1789 levou ao primeiro movimento anticolonial, embora para muitos revolucionários a escravidão fosse tão natural quanto o patriarcado.
Puchner traça outras linhas para a China, onde escritos e estátuas budistas foram preservados, "embora contrastassem com os costumes e tradições confucionistas e taoístas predominantes". Aparentemente, os representantes do confucionismo e do taoísmo naquela época tinham a soberania para permitir a diversidade em vez de impor a tirania de uma cultura supostamente pura.
Assim, nas reflexões de Puchner, uma teoria da iconoclastia cultural surge quase incidentalmente: "Como a história cultural demonstra repetidamente", escreve Puchner, "puristas e puritanos, guardiões de todo tipo de virtude, são frequentemente inclinados a cometer atos de destruição cultural". Na visão de Puchner, aqueles que querem preservar uma cultura são os mais dispostos a desistir dela para impedir que ela mude.
No subtítulo de seu livro, Puchner promete “uma nova história cultural do mundo”. No início, ele coloca as pinturas de quase quarenta mil anos na Caverna de Chauvet, no sul da França. E ele descreve laconicamente a cultura como uma continuação da busca por significado: “Precisamos de todos os recursos culturais que pudermos encontrar para enfrentar nosso próprio futuro incerto”.
Martin Puchner: Cultura. Uma nova história do mundo. Traduzido do americano por Enrico Heinemann. Klett-Cotta-Verlag, Stuttgart 2025. 428 pp., pe. 49,90.
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