O regresso arrogante da esquerda urbana

Há uns anos que reparo no renascimento de uma certa tendência de esquerda nas cidades, sobretudo entre pessoas com formação superior. É uma esquerda com um discurso humanista, mas temperado com um toque de hedonismo.
Não é novo. Nos anos 80 e 90 era comum ver a esquerda sustentada pelos intelectuais das artes e da comunicação. Já aí havia um ar de soberba, uma arrogância intelectual em relação ao cidadão comum, esse que vivia do seu trabalho, com pouco tempo para teorizar sobre o mundo. O que vejo agora é essa mesma arrogância, mas elevada à desonestidade intelectual.
Hoje, por exemplo, vi um post do Nuno Markl a rejeitar a expressão “esquerdista caviar”, preferindo “esquerdista de Lego”. Está, claro, no seu direito. Mas chamou-me a atenção um comentário a esse post — e que já ouvi muitas vezes em conversa — sobre o facto de se ser de esquerda e, ao mesmo tempo, querer enriquecer. Aqui, para mim, está a contradição central: ou é ignorância, ou é desonestidade.
Porque ser de esquerda, no sentido clássico, é assumir valores igualitários, coletivistas, que não convivem bem com a ambição económica individual. Os sistemas económicos de esquerda não promovem a iniciativa privada, não incentivam investimento, não reconhecem o mercado bolsista, não permitem concorrência salarial. É simples: se o modelo fosse aplicado a sério, o Markl não ganhava o que ganha, não usava as plataformas digitais em que se expressa, nem o MacBook Pro com que escreve. Pode parecer uma crítica primária. Eu prefiro chamar-lhe simples e honesta.
A ideia de que só a esquerda é humanista é falaciosa. Mas mesmo que não fosse, bastava olhar para a prática: a ambição sectária de quem quer viver melhor derruba logo essa narrativa. O Livre, hoje em dia, representa bem esta tendência urbana. Sexy à superfície, mas vazio no fundo. Uma ilusão para quem já tem uma vida confortável, mas quer disfarçar isso com uma capa moral de “causa maior”.
No fim, sobra pouco mais do que discurso. Porque se fosse uma proposta realmente transformadora, já teríamos o mundo cheio de exemplos de sucesso – Não temos.
observador