A Verdade Arquivada : FP25, Memória e Justiça

A eventual decisão do Sistema de Informações de Segurança (SIS) de tornar públicos documentos classificados relativos às FP- 25 de Abril constitui uma iniciativa que se saúda com firmeza e expectativa. Trata-se de um passo necessário, embora tardio, rumo à clarificação histórica e à reposição de uma justiça de memória tantas vezes negligenciada. A opacidade que tem envolvido estes arquivos ao longo de décadas não só alimentou especulações como contribuiu para a desvalorização de um capítulo negro da nossa democracia, que importa compreender na sua verdadeira dimensão.
É de lamentar que esta abertura documental não tenha ocorrido mais cedo. A maturidade de uma democracia mede-se, entre outros critérios, pela capacidade de olhar o passado com coragem e sem tergiversações. Ao manterem-se sob sigilo durante tanto tempo informações cruciais sobre uma organização terrorista que atacou o Estado de Direito e ceifou vidas inocentes, as autoridades portuguesas contribuíram involuntariamente para uma forma de amnésia coletiva. A transparência institucional é, aqui, não apenas um imperativo de responsabilidade pública, mas também um gesto de respeito devido às vítimas e às suas famílias.
As FP25 de Abril representaram um dos mais violentos desvios antidemocráticos da nossa história recente. Criadas por ex-dirigentes políticos ligados à extrema-esquerda revolucionária, entre os quais Otelo Saraiva de Carvalho, as FP25 procuraram, pelas armas, impor um modelo político que o povo português havia claramente rejeitado em eleições livres e pluralistas. Esta tentativa de insurreição armada, travestida de resistência , não passava de um assalto frontal à soberania popular. O povo português disse não ao projeto totalitário e disse-o nas urnas , não haveria justificação possível para a violência que se seguiu.
As ações das FP25 , assassinatos, atentados bombistas, extorsões ,não foram frutos de excessos marginais, mas sim de uma estratégia meticulosamente delineada. Foi terrorismo puro, com rosto ideológico e programa político. E, como tal, deve ser tratado; com a condenação inequívoca da história, das instituições e da sociedade civil. O silêncio cúmplice ou relativizador que durante anos pairou sobre estas ações é, em si mesmo, uma falha grave da nossa consciência democrática.
Mais chocante ainda foi o tratamento que o Estado Português deu às vítimas deste terrorismo. Polícias , funcionários públicos e cidadãos comuns caíram sob as balas das FP25 sem que, por parte dos sucessivos governos, se verificasse uma política coerente de reparação moral, material ou simbólica. Muitas famílias foram deixadas à sua sorte, num misto de abandono e indiferença. O que se esperava de um Estado democrático era que honrasse quem foi alvo do terrorismo e que lhes desse visibilidade e dignidade.
A apatia geral da sociedade portuguesa, tanto à época como nos anos subsequentes, revela uma inquietante complacência. Talvez por fadiga revolucionária, talvez por receio de reacender fantasmas, talvez por uma cultura de relativismo político que tudo desculpa quando embrulhado em ideais progressistas. A verdade é que houve demasiada compreensão para com os algozes e demasiada negligência para com os que tombaram.
A revelação dos arquivos do SIS pode, finalmente, romper este pacto de silêncio. Não se trata de reabrir feridas, mas de curar as que nunca sararam e, para isso, é necessário luz, verdade e memória. Não há reconciliação possível com o passado sem um reconhecimento claro dos crimes cometidos e das suas consequências. O segredo de Estado não pode ser um escudo para a impunidade.
Assim, a divulgação destes documentos deverá ser apenas o primeiro passo. Que se sigam iniciativas pedagógicas, memoriais e institucionais que contribuam para inscrever, com justiça e sem ambiguidades, esta página dolorosa na história democrática de Portugal. A liberdade não é apenas o que se conquista; é também o que se protege e recordar é uma das suas formas mais nobres de proteção.
observador