Porque culpamos as vítimas?

Este mecanismo — que é um viés cognitivo — cumpre dois propósitos principais. Primeiro, protege-nos do medo de sermos nós os próximos alvos do azar, da violência ou da injustiça: se acreditarmos que foi a vítima que fez alguma coisa de errado, então, podemos também acreditar que, se formos cuidadosos, estaremos a salvo. Segundo, mantém o sentido de controlo, ordem e previsibilidade, descartando a ideia, difícil, de que o sofrimento é muitas vezes arbitrário.
A culpabilização da vítima é especialmente evidente em crimes de natureza sexual e/ou quando os crimes são perpetrados contra minorias ou pessoas em situação de vulnerabilidade, como pessoas em situação de sem-abrigo, o que parece sugerir que há outros preconceitos como a misoginia, o racismo, a xenofobia ou a homofobia que alimentam a dinâmica de culpabilização. De resto, as próprias desigualdades económicas são legitimadas pela crença de que as pessoas têm o que merecem.
No entanto, também há investigação que mostra que os julgamentos culpabilizadores podem ser mais fortes por parte daqueles que partilham com a vítima características que a tornaram vulnerável. “Por exemplo, as mulheres, muitas vezes, culpabilizam outras mulheres vítimas de violência doméstica”, exemplifica Isabel Correia.
Além da crença no mundo justo, considera-se também que a culpabilização das vítimas pode ter sido reforçada por algumas teorias na área da criminologia e vitimologia desenvolvidas após a década de 1940 — nomeadamente as de Von Hentig e Benjamin Mendelsohn — que tentavam explicar a vitimização através dos atributos físicos, características psicológicas e comportamentos das vítimas.
Apesar da sua importância na época, estas teorias são hoje consideradas ultrapassadas — exatamente por responsabilizarem as vítimas — mas muitas das ideias que defenderam continuam a manifestar-se, de forma mais ou menos evidente, nas sociedades contemporâneas — sobretudo na forma como algumas vítimas são tratadas nos órgãos de comunicação social, nos tribunais e no discurso popular…
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com o Hospital da Luz e com a Johnson & Johnson Innovative Medicine e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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