Doença silenciosa que ainda tratamos como escolha

Vivemos num tempo em que a obesidade já não pode ser vista apenas como um número na balança ou como resultado exclusivo de “más escolhas”. A obesidade é uma doença crónica, complexa, multifatorial e tratável. Em Portugal, os números são claros e preocupantes: mais de metade da população adulta vive com excesso de peso e cerca de um em cada cinco portugueses tem obesidade. E ao contrário do que alguns imaginam, a tendência tem sido de crescimento constante nas últimas décadas.
Mas o que é afinal a obesidade? A definição mais comum baseia-se no índice de massa corporal (IMC), mas este parâmetro tem limitações. O mais importante não é apenas o peso, mas sim a distribuição da gordura corporal, em especial a gordura visceral – aquela que se acumula em redor dos órgãos internos e que está fortemente associada ao risco cardiovascular e metabólico. Hoje, conseguimos distinguir melhor os diferentes tipos de gordura através de métodos como a bioimpedância, a densitometria corporal e, mais recentemente, a ecografia – um método não invasivo, sem radiação, que, quando realizado por médicos com formação adequada, permite avaliar com precisão a espessura da gordura subcutânea e visceral.
É comum perguntarem: “Mas a obesidade não é genética?” Sim e não. Existe predisposição genética, mas mais relevante ainda é o papel da epigenética – ou seja, a forma como o ambiente e os comportamentos influenciam a expressão dos nossos genes. E o ambiente atual é altamente obesogénico: vivemos rodeados por alimentos hipercalóricos, acessíveis, baratos, e fortemente promovidos. Basta entrar num centro comercial para perceber como é difícil escolher uma opção saudável, mesmo que queiramos. E os supermercados, com estratégias de marketing bem estudadas, colocam os produtos menos saudáveis ao nível dos olhos ou nas zonas de passagem obrigatória. Não é uma luta justa.
Felizmente, têm surgido políticas públicas que procuram travar esta epidemia silenciosa: a limitação da quantidade de açúcar em pacotes individuais, a restrição da venda de alimentos processados em escolas e hospitais, a promoção da literacia em saúde. Ainda assim, o caminho é longo e exige um compromisso coletivo.
Outro mito comum é o de que “comer melhor e fazer mais exercício” resolvem a obesidade. Na prática, sabemos que essas estratégias sozinhas raramente são suficientes. Estudos mostram que a perda de peso obtida com dieta e atividade física ronda os 5 a 10%, mas o mais difícil é manter essa perda a longo prazo. Por outro lado, os tratamentos com medicação – hoje disponíveis em comprimidos ou injetáveis – podem atingir perdas de até 25%, e a cirurgia bariátrica pode ir além dos 30%. É importante sublinhar que a medicação por si só não resolve: deve ser acompanhada por um plano alimentar ajustado e supervisão médica, até porque a perda de peso envolve perda de massa muscular e nutrientes essenciais que devem ser monitorizados. O exercício físico adequado – aeróbico e de resistência – é também essencial para preservar a saúde global.
As consequências da obesidade são inúmeras e graves: hipertensão, diabetes tipo 2, apneia do sono, vários tipos de cancro, disfunção sexual, dor crónica, osteoartrose, fadiga, entre muitas outras. Mas há uma mensagem importante: a perda de peso melhora todas estas condições. Muitas vezes, é como se a obesidade fosse o motor escondido que alimenta todas estas doenças – e travá-lo pode significar travar o seu avanço. Quem já perdeu peso de forma sustentada sabe bem a diferença que isso faz no dia-a-dia e na qualidade de vida.
A boa notícia? Hoje, já não é preciso viver com obesidade como se fosse uma fatalidade ou um destino inevitável. Existem tratamentos eficazes, desde que integrados num plano global e adaptado a cada pessoa. A consulta médica é essencial, e há vários profissionais preparados para acompanhar este caminho: médicos de família, internistas, endocrinologistas e até pediatras, no caso das crianças. Para facilitar o acesso a estes cuidados, já existem plataformas como a Meco+, que permitem marcar exames e consultas de forma simples e rápida.
Obesidade não é uma falha de caráter, não é preguiça, nem falta de força de vontade. É uma doença real, com causas reais, e com soluções que merecem ser acessíveis e discutidas com seriedade.
observador