Dentro da Espanha: Como a desinformação franquista floresce online

Nesta edição do Inside Spain, analisamos como, meio século após a morte de Francisco Franco, a desinformação nas redes sociais atribuiu ao ditador espanhol conquistas sociais que apresentam seu regime autoritário sob uma ótica nostálgica.
Especialistas alertam que comparações enganosas e imprecisões em mensagens virais podem ludibriar cidadãos com pouco conhecimento do período de 1939 a 1975.
"Há pouco conhecimento da nossa história", lamentou Jordi Rodriguez Virgili, professor de comunicação política na Universidade de Navarra.
Essa ignorância, aplicada a um tema "muito emotivo, controverso e polarizador" como Franco, cria um terreno fértil para a desinformação, acrescentou.
Qual é, afinal, a realidade dos supostos feitos do general que alimentaram a popularidade da frase "A vida era melhor sob o regime de Franco"?
Reservatórios e barragens
Muitos espanhóis atribuem a construção da infraestrutura hídrica quase exclusivamente ao ditador.
Essa informação "se espalha facilmente porque é um mito coletivo sobre o qual existe muita ignorância", disse Rodríguez Virgili.
"Há alguma verdade nisso — para fins de desinformação, isso é importante. Ele não construiu todas as barragens", disse o especialista.
Um Plano Geral para Canais de Irrigação e Reservatórios já existia no início do século XX, enquanto outro ditador, Miguel Primo de Rivera (1923-1930), criou órgãos de gestão hídrica que ainda existem hoje.
Franco também manteve ou retomou projetos da efêmera Segunda República, que ele derrubou na guerra civil de 1936-1939, a qual matou centenas de milhares de pessoas.
E a professora de história Matilde Eiroa San Francisco afirmou que a construção de algumas barragens e reservatórios durante a ditadura inundou muitas aldeias e dependeu fortemente do trabalho de prisioneiros políticos.
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Seguro Social
Usuários das redes sociais publicaram retratos de Franco com a alegação de que "a Espanha estabeleceu um sólido sistema de segurança social em 1942, garantindo aos trabalhadores acesso a cuidados de saúde e pensões".
Mas nem todos os direitos trabalhistas, associados aos modelos modernos de proteção social, foram concedidos pela ditadura.
As primeiras versões da proteção social na Espanha datam de uma lei de 1900, afirmou Daniel Pérez del Prado, secretário-geral da Associação Espanhola de Direito do Trabalho e Segurança Social.
Uma série de benefícios antecedeu Franco: um regime de pensões de 1919, uma cobertura de maternidade obrigatória em 1923 e um subsídio de desemprego introduzido em 1931.
Diferentes profissões criaram progressivamente esquemas de proteção específicos para seus trabalhadores.
Sob o regime de Franco, todas as medidas anteriormente existentes foram agrupadas sob o nome de "Segurança Social" em 1963.
Férias remuneradas também foram concedidas muito antes do regime, já que a Segunda República havia estabelecido sete dias de folga remunerada por ano para os trabalhadores em 1931.
Foi somente em 1976, após a morte de Franco, que os espanhóis conquistaram o direito a 21 dias de férias remuneradas por ano.
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Habitação
A escassez e o alto custo da habitação têm sido um tema recorrente na Espanha há anos, levando alguns a comparar a crise atual com a situação supostamente mais favorável durante o regime de Franco.
Uma mensagem que circula nas redes sociais afirmava que Franco construiu quatro milhões de casas com o apoio do governo e que os governos de esquerda do atual primeiro-ministro Pedro Sánchez não haviam construído nenhuma.
Alfonso Fernández Carbajal, professor de economia aplicada na Universidade de Oviedo, afirmou que o auxílio-moradia durante o regime de Franco abrangia todos os tipos de imóveis, "sem exigir que a renda ultrapassasse um determinado limite", ao contrário dos programas atuais.
Fernández Carbajal escreveu um artigo que constatou que 3,4 milhões de casas beneficiadas com apoio governamental foram construídas entre 1943 e 1975. Destas, 735.400 – menos de 22% – foram destinadas a pessoas de baixa renda.
Nos governos liderados por Sánchez, no poder desde 2018, 66.723 imóveis foram classificados como "protegidos" até o primeiro trimestre de 2025, segundo dados oficiais. Protegido, neste contexto, significa um imóvel subsidiado pelo governo que possui controle de preços para aluguel ou venda.
Mas Fernández Carbajal alertou contra a comparação das políticas de dois sistemas políticos radicalmente diferentes: a ditadura e a democracia.
E a responsabilidade pela política habitacional também depende, em grande medida, dos governos regionais no sistema político descentralizado da Espanha moderna – o oposto do controle férreo de Franco sobre o país.
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