Por decreto, o Governo implementa grande parte da reforma sanitária: é assim que funcionará o novo modelo preventivo estabelecido pelo Ministério da Saúde.

Diante da estagnação da reforma da saúde no Congresso, o Governo Nacional decidiu implementar mudanças estruturais no sistema por meio de decreto. Por meio do Decreto 0858, publicado ontem, 30 de julho de 2025, o Ministério da Saúde adotou oficialmente o Modelo de Saúde Preventiva, Preditiva e Resolutiva para o país, elemento-chave do projeto original de reforma e do Plano Nacional de Desenvolvimento 2022-2026, que agora se torna política pública com força regulatória.

Ministro da Saúde, Guillermo Alfonso Jaramillo. Foto de : Sergio Acero - EL TIEMPO
O decreto substitui integralmente a Parte 11 do Livro 2 do Decreto 780 de 2016 e torna o modelo de saúde baseado na prevenção e na atenção primária a espinha dorsal do sistema de saúde colombiano. O modelo, segundo a lei, busca garantir o direito fundamental à saúde por meio de um atendimento integral, proativo e territorializado, com ênfase na promoção, prevenção e fortalecimento do nível primário de atenção.
Com esta medida, o Ministério da Saúde assume a liderança e a coordenação do modelo e obriga todas as entidades territoriais do país, juntamente com a EPS, o IPS, as autoridades locais e as partes interessadas da comunidade, a implementar a nova abordagem em todo o país.
O que está mudando no sistema de saúde?- Do cuidado curativo ao preventivo: o centro do sistema não será mais o tratamento de doenças, mas sim sua prevenção precoce por meio de intervenções territoriais e populacionais. Para isso , serão priorizadas as Equipes Territoriais de Saúde , compostas por profissionais de saúde que atuarão permanentemente nas comunidades, visitando diretamente os pacientes.
- Governança e participação cidadã: O decreto estabelece mecanismos de governança multinível e participativa. O Ministério liderará em nível nacional, mas as entidades territoriais serão responsáveis pela coordenação e implementação do modelo em suas regiões, apoiadas pelos Conselhos Territoriais de Seguridade Social em Saúde, pelos Comitês Comunitários de Participação em Saúde (COPACOS) e outras entidades sociais. As comunidades poderão expressar suas opiniões, realizar o controle social e propor melhorias nos serviços de saúde que recebem.
- Redes Territoriais Integrais e Integradas de Saúde (RTIIS): O modelo propõe que a prestação de serviços seja organizada em redes compostas por instituições públicas, privadas e mistas, de acordo com as necessidades do território. Essas redes serão compostas por um nível primário (unidades básicas de saúde – CAPS –, atenção básica e familiar) e um nível complementar (serviços de média e alta complexidade).
- Fortalecimento da atenção primária: priorizar o investimento em infraestrutura pública de baixa e média complexidade, a disponibilização de tecnologia e a formalização de talentos humanos. O decreto exige que hospitais e centros de saúde, especialmente em áreas rurais e dispersas, sejam fortalecidos, mesmo que não sejam financeiramente rentáveis , sob o princípio da rentabilidade social.
- Planejamento territorial e abordagem diferencial: O modelo será implementado por meio da territorialização da atenção integral, o que significa adaptar as intervenções de saúde às condições culturais, sociais, ambientais e epidemiológicas de cada região. Isso inclui a articulação com os Modelos Próprios de Saúde dos Povos Indígenas (SISPI) e o Plano Nacional de Saúde Rural.
Um ponto fundamental é que, embora as Entidades de Promoção da Saúde (EPS) não desapareçam, suas funções serão modificadas e redefinidas dentro do novo Modelo de Saúde Preventivo, Preditivo e Resolutivo. Por exemplo, embora o decreto não lhes atribua a liderança no funcionamento das Equipes Territoriais de Saúde (que estão sob a coordenação das entidades territoriais), as EPS devem colaborar e se coordenar com essas equipes para garantir a continuidade e a integralidade do cuidado de seus membros.
Por outro lado, os EPS devem ser articulados com as Redes Territoriais Integrais e Integradas de Saúde (RIITS) e participar de sua organização e operação, em coordenação com as entidades territoriais. Isso implica uma mudança em seu papel de intermediários, uma vez que deixarão de ser o único eixo de coordenação do sistema, passando a ser um ator dentro de uma rede territorial orientada pelo Ministério e pelas autoridades locais.
E os recursos? O Decreto 0858 de 2025 não apenas reorganiza o sistema de saúde em torno de um modelo preventivo, preditivo e corretivo, como também define como essa transformação será financiada. Embora não estabeleça valores específicos, estabelece que os recursos virão do Regime Geral da Previdência Social em Saúde, do Orçamento Geral da Nação, de royalties, de fundos territoriais e até mesmo da cooperação internacional. Esses recursos devem ser utilizados para garantir o acesso aos serviços de saúde em todo o país, com ênfase especial nas áreas rurais e remotas, onde a cobertura atual é fraca ou inexistente.
Uma das prioridades do novo modelo é o fortalecimento da rede pública de saúde, o que implica investimentos em infraestrutura, equipamentos tecnológicos e contratação e capacitação de talentos humanos. O decreto deixa claro que o Estado deve financiar hospitais e centros de saúde públicos, mesmo que não sejam rentáveis, com base no princípio da "rentabilidade social".
Além disso, a distribuição dos recursos terá um foco territorial : as necessidades específicas de cada região — sejam elas epidemiológicas, culturais, geográficas ou sociais — devem ser consideradas na alocação do orçamento. Essa lógica também exige que as autoridades locais se articulem com o Ministério da Saúde, a EPS e o IPS para integrar esforços e evitar duplicação.

A gestão dos recursos de investimento está mudando com foco na "rentabilidade social". Foto: Jonh Jairo Bonilla
Embora o projeto de lei de reforma da saúde do governo ainda esteja no Congresso aguardando seu terceiro debate na Sétima Comissão do Senado, este decreto inicia uma reforma de fato, pois inclui os principais temas que o governo busca em seu projeto de lei de reforma.
Embora a medida não altere a estrutura geral do sistema (ou seja, não elimine os EPS), ela redefine a forma como o Estado, os EPS, os prestadores e os territórios devem se organizar para cumprir um modelo preventivo e corretivo. Na prática, implica uma mudança na lógica do sistema de saúde colombiano.

Membros da Sétima Comissão do Congresso que se opuseram às reformas do governo. Foto: El Tiempo
O decreto também é uma resposta política. Diante da impossibilidade de aprovar a reforma no Congresso, o governo está usando sua autoridade regulatória para desenvolver elementos já contidos em leis anteriores, como a Lei Orgânica da Saúde (1751 de 2015) e a Lei do Plano Nacional de Desenvolvimento (2294 de 2023). Dessa forma, transforma o modelo sem a necessidade de uma nova lei.
Embora não desmonte o sistema atual, a medida traça um caminho para transformá-lo estruturalmente de dentro para fora, reorganizando a forma como os serviços são prestados e como os investimentos são priorizados. Espera-se que os efeitos comecem a ser sentidos à medida que os territórios avancem na implementação do RIITS e o Ministério da Saúde consolide seu papel de liderança com novas ferramentas de planejamento e avaliação. Em suma, trata-se de um movimento estratégico para reativar a reforma do Executivo e avançar na transformação do sistema, com ou sem a aprovação do Congresso.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo