'A arte é a única maneira de desobedecer ao sistema': afirma a escritora Laura Esquivel, uma das convidadas do CELAC.
A escritora mexicana Laura Esquivel conversou com o EL TIEMPO sobre educação, arte e política durante sua visita a Santa Marta, onde é uma das convidadas da seção cultural do Celac.
A autora de "Como Água para Chocolate" refletiu sobre o papel da mulher, o bioculturalismo e a necessidade urgente de se reconectar com o conhecimento ancestral. Sua palestra, "Criação: Um Ato Político e um Ato de Resistência", será realizada na sala alternativa do Teatro Santa Marta no domingo, 9 de novembro, às 15h. Ela estará acompanhada por Patricia Ariza e Julia Buenaventura.
Que legado eventos como o CELAC Cultural devem deixar além da palavra escrita? Só podemos contribuir com nossas palavras, nossa presença e nossas propostas. As verdadeiras transformações nascem das pessoas, das comunidades que se reconectam com seu passado. A mudança não virá de organizações internacionais, mas de dentro, do micro ao macro.
Sua palestra tem o título "Criação, um ato político e um ato de resistência". Qual foi o seu maior ato de resistência? A arte em si é um ato de resistência. Sempre acreditei que a educação deve ser feita por meio da arte. Só quando a imaginação entra em cena é que começamos a mudar a realidade. Como disse Augusto Boal, quando você se visualiza mudando o mundo, você já o está mudando, porque pensamento e palavra são energia.
Ele afirmou que o neoliberalismo é um modelo “predatório e suicida”. Como combatê-lo? Revalorizando a natureza e o conhecimento ancestral. Países como a Colômbia preservaram reservas sagradas que são um tesouro para a humanidade. Precisamos voltar a plantar, a perguntar às avós e curandeiras como abençoar a vida. Esse conhecimento não vem de Harvard; é o conhecimento da terra.
Você faz uma distinção entre “mulheres” e “o feminino”. O que você quer dizer com isso? Não estou falando apenas de mulheres; estou falando do feminino, que também está presente nos homens. É a energia de nutrir, de cultivar, da vida. Nos últimos cem anos, 70% das sementes do mundo foram perdidas, e isso está relacionado ao rompimento da nossa conexão com o feminino, com a própria terra.
Como você avalia as políticas culturais na América Latina? A maioria está enganada porque responde a modelos econômicos externos. Nossos agricultores estão abandonando o cultivo do milho para plantar coca. As políticas públicas devem restaurar a dignidade da agricultura, do cacau, do milho, da batata. A cultura é inseparável da terra: sem natureza, não há cultura.
O que significa para você o conceito de bioculturalidade? Significa compreender que a cultura nasce da vida que nos rodeia. Não existe cultura sem terra, sem água, sem comunidade. Mas vivemos num modelo educacional que nos treina para obedecer, não para criar. Precisamos de uma educação que ensine a desobediência consciente.
O que lhe preocupa no modelo educacional atual? Foi construída sobre a obediência. Desde o jardim de infância, as crianças são ensinadas a esperar permissão até para ir ao banheiro. Isso sufoca sua vontade, que é o maior dom que possuímos. Precisamos cultivar seres desobedientes, capazes de agir, de transformar seu ambiente, e não de se submeter a ele.

A escritora mexicana Laura Esquivel. Foto: Cortesia da escritora.
Acompanhei sua trajetória com alegria. É uma história sobre mulheres que transformam o mundo por dentro. Discordo da versão da HBO: transformaram uma história de emoções e tradição em um romance sobre revolução. Minha história fala de alquimia interior, não de armas.
Em seu livro "O Que Eu Vi", ele revisita o passado. O que ele queria mostrar? É uma biografia coletiva. Cresci num mundo sem plástico, onde todos se conheciam e partilhavam. Acreditávamos que a modernidade era progresso, e acabámos rodeados de lixo e solidão. Mas ainda podemos voltar atrás: existem outras formas de viver, mais simples e mais humanas.
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